A NECESSIDADE DA OFENSIVA DA CLASSE TRABALHADORA BRASILEIRA
A etapa histórica dos governos petistas (Lula e Dilma) é marcada pelo arrefecimento da luta sindical; a forma grevista de reivindicação foi substituída pelo ativismo acionário expresso nos fundos de pensão e na política de conciliação de classe. O elevado número de greves que marcou a dé-cada de 1980 perde fôlego na década de 1990 e se encontra completamente esmaecido na primeira década do século XXI. Ao contrário das greves da década de 1980, as greves deflagradas no decorrer da década de 1990 assumiram caráter defensivo e de luta para coibir as perdas dos direitos conquistados. Essas greves aconteceram no bojo ascendente das políticas neoliberais e no contexto da derrocada de um projeto alternativo de sociedade, devido ao desmoronamento das experiências pós-capitalistas no Leste europeu, na China e na ex-União Soviética.
Ao contrário dos petroleiros e dos funcionários públicos federais, que sofreram intensa repressão no decorrer da década de 1990 para não ultrapassar a linha demarcada pelo capital, o movimento sindical cutista, com base nos metalúrgicos e nos bancários, foi atraído para a política de conciliação de classes e passou a colaborar com o sistema do capital e com a burguesia transnacional. Os acordos coletivos, as câmaras de compensação e setoriais serviram para readequar os metalúrgicos à nova engenharia do capital financeiro e produtivo.
O canto da sereia da privatização das empresas estatais com a participação do movimento “sindical acionário” cooptou as principais lideranças sindicais filiadas à CUT, CGT e Força Sindical (central sindical formada pela burguesia) no decorrer da década de 1990. A combinação de repressão ao movimento mais combativo com a conciliação de classe do movimento reformista paralisou o movimento grevista no final do governo FHC. O número de greves passou de 1.773 em 1989 para 298 em 2002. A média do número de greves na década de 1990 ficou em 900.
Segundo Badaró (2014), o declínio do movimento paredista pode ser observado no fato de que em 1989 foram realizadas no país aproximadamente 2 mil greves, enquanto em 1996 foram 1.228; no ano de 2000 ficaram em menos da metade, 525, e em 2005 foram somente 299. O declínio não adveio da melhoria das condições da classe operária e dos trabalhadores em geral, mas da ofensiva do capital mediante sua bem-sucedida política de ataque aos direitos trabalhistas concedi- dos no passado. Nota-se uma capitulação expressiva do denominado “novo sindicalismo brasileiro” na década de 1990. O abandono completo do socialismo em nome da capacidade da administração do capital prevaleceu, arrastando consigo as principais lideranças sindicais e populares.
A crise estrutural do capital revelou-se claramente nas economias mais desenvolvidas em 2008, e ela se consubstancia no Brasil com o refluxo expressivo do desenvolvimento econômico, fundamentado na valorização das commodities (soja e ferro) no mercado internacional. As manifestações de junho de 2013 e as de março de 2015 são expressões do aguçamento da crise que perpassa a economia nacional e coloca na ordem do dia a necessidade de uma ofensiva de massa socialista para superar o capital em escala mundial, como única forma de contrapor-se radicalmente às políticas de austeridade instituídas pelos governos (de direita e de “esquerda”).
Tabela – Quadro de greves no Brasil entre 1990-2019
ANO | TOTAL DE GREVES | |
1990 | 1.773 | |
1991 | 1.041 | |
1992 | 556 | |
1993 | 644 | |
1994 | 1.035 | |
1995 | 1.056 | |
1996 | 1.228 | |
1997 | 631 | |
1998 | 531 | |
1999 | 506 | |
2000 | 525 | |
2001 | 416 | |
2002 | 298 | |
2003 | 340 | |
2004 | 302 | |
2005 | 299 | |
2006 | 320 | |
2007 | 316 | |
2008 | 411 | |
2009 | 518 | |
2010 | 445 | |
2011 | 554 | |
2012 | 879 | |
2013 | 2.057 | |
2014 | ? | |
2015 | ? | |
2016 | 2.157 | |
2017 | 1.566 | |
2018 | 1.461 | |
2019 | 1.118 |
Na década de 1990 foram realizadas 9 mil greves, representando uma média de 900 greves anualmente. Na primeira década do século XXI, entre 2000-2009, foram realizadas 3.745 greves, representando uma média de 374 greves anualmente, uma queda de mais de 60% em relação à década passada. Na década de 2010-2019 o número de greves alcançou 9.358 greves, sem computar o número de greves de 2014 e 2015, que segundo o DIEESE ultrapassou a sua capacidade de registro. A média de greves ultrapassa as das décadas anteriores; foram 1.169 greves anualmente. O quantitativo de greves no período do governo Bolsonaro esteve bem próximo da média alcançada na referida década e bem acima da média de greves nas décadas anteriores.
Mesmo assim é preciso reconhecer que houve uma queda de 23% do número de greves em 2019 quando comparado a 2018; foram 1.118 greves contra 1.461 no ano anterior. Essa queda pode ser expressão do discurso promovido pela burguesia nos seus meios de comunicação de que a eco- nomia iria se recuperar ao longo de 2019, fato não confirmado. A economia não se recuperou e adentrou 2020 com greve dos petroleiros, da Dataprev e dos policiais no Ceará. Na verdade, o aquartelamento policial foge muito ao modelo de greve característico da classe trabalhadora; por ser uma categoria profundamente reacionária. O propósito desse segmento é sempre reacionário e profundamente corporativo. Nesse aspecto, a greve dos policiais tem natureza semelhante à greve dos caminhoneiros; apesar duma parte desse segmento unir força com a greve dos petroleiros, paralisando o porto de Santos por alguns dias, enquanto a grande maioria manteve uma política de afinidade com o Planalto.
O caráter reacionário da categoria dos policiais (civis e militares) pode ser observado na ausência de qualquer tentativa de articular suas lutas com a pauta dos petroleiros. Uma leitura preliminar do segmento que serve como braço armado do Estado contra o trabalho aponta que a maioria das lideranças desse tipo de movimento colabora e fortalece sempre as organizações de extrema direita, atuando sempre como braço armado do latifúndio na perspectiva de resguardar a propriedade privada (fruto das expropriações e da pilhagem). As lideranças que se destacaram e se converteram em parlamentares estiveram sempre em partidos de extrema direita e defenderam as pautas mais reacionárias. Dos 73 policiais e militares eleitos em 2019, 58,9% pertencem ao PSL (antigo partido de Jair Bolsonaro), os demais pertencem ao PP, PR e Rede. Não se deve alimentar ilusão com a greve ou o aquartelamento desse segmento reacionário; na luta de classes, ele sempre está do lado da bur- guesia e contra o trabalho. A novidade das greves realizadas nas últimas décadas é o protagonismo dos trabalhadores terceirizados e precarizados. Apesar de sua pauta bastante defensiva, em defesa dos direitos negados e dos salários atrasados, esse segmento demonstra que é possível lutar mesmo sem possuir uma sólida organização sindical. Num contexto de capitulação das grandes centrais sin- dicais (CUT, CGT, Força Sindical e CTB), restando somente a CSP ‒ Conlutas no campo combativo, observa-se que as greves dos servidores públicos são mais propositivas e menos defensivas.
A inflexão se dá entre os funcionários públicos devido à sua capacidade de inserir na pauta reivindicações não somente relacionadas ao reajuste salarial, mas especialmente o cumprimento de acordos passados direcionados à reestruturação de Plano de Cargos e Salários, realização de concurso público etc. Entre as distintas categorias mobilizadas dos servidores públicos, o segmento dos professores municipais assumiu posição protagonista na luta contra os cortes de direitos e pelo cumprimento do piso nacional do magistério. Não é à toa que o atual governo tem dirigido seus ataques aos servidores públicos e a extrema direita tenha elegido os professores como principal inimigo, procurando intimidá-los com a “lei da mordaça” e a Escola Sem Partido.
O capital procura sair da crise repassando o custo para a classe trabalhadora. No entanto, a crise tende a intensificar-se devido à constante queda no valor das commodities, à guerra comercial entre EUA e China, à recessão na Argentina e em outros países da América Latina. Além dos fatores externos que incidem sobre a economia brasileira mundializada, subsistem contradições internas motivadas pelo aprofundamento das medidas neoliberais num contexto em que inexistem empresas estatais grandiosas para serem privatizadas e se verifica o profundo crescimento do desemprego e de relações de trabalho análogas à escrava.
A greve geral é uma arma importante ante as políticas de austeridade aplicadas contra os trabalhadores. Por isso é fundamental fortalecer a agenda nacional de luta contra o governo atual e contra todas as formas de ataques aos trabalhadores. Deve-se passar para uma pauta ofensiva mediante a construção da greve geral, das ocupações de terras e ocupações de fábricas, na perspectiva de demitir definitivamente os patrões.
O esgotamento da política de conciliação de classes e o acirramento da contraposição entre capital e trabalho coloca na ordem do dia a necessidade do socialismo como alternativa efetiva para a humanidade. E enquanto os trabalhadores não apresentam uma saída radical, a extrema direita procura antecipar-se ao movimento revolucionário apresentando a contrarrevolução com roupagens novas para assegurar a sobrevivência do grande capital financeiro, do agronegócio e da burguesia transnacional.
A crise mundial do sistema do capital implica na necessidade de lançar abaixo o trabalho abstrato, enquanto fundamento do sistema do capital. Não passa de miríade e espectros as elucubrações que imaginavam ser possível consertar as rachaduras do sistema do capital. O edifício do capital está abalado em todas as suas estruturas e está perpassado de rachaduras. E elas não podem ser reparadas consertando o seu reboco. A social-democracia não passou de um reboco que visava reformar o sistema do capital.
Os rebocos que foram colocados pela social-democracia, de um lado, e pelas experiências pós-capitalistas, do outro, caíram. Os rebocos foram abaixo e o edifício do capital está sendo abalado de alto abaixo. O apelo da grande burguesia e da pequena burguesia à extrema direita para salvar o sistema consiste numa nova miríade, a maquinaria estatal (coercitiva) somente poderá deslocar a crise do sistema como fez no decorrer da primeira metade do século XX recorrendo ao expediente de uma nova guerra mundial.
A mundialização sob a égide do capital financeiro chegou à um nível tão profundo de barbárie que somente uma guerra em grande escala poderá salvar o sistema, ou seja, a salvação consiste em condenar toda a humanidade à barbárie. Não há como negar que o edifício do capital apresenta problemas, as suas rachaduras profundas somente poderão ser sanadas pela ofensiva de massa socialista, em que trabalhadoras e trabalhadores possam constituir uma nova forma de organizar o trabalho.
Por Artur Bispo
Referências
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