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A PANDEMIA CHAMADA CAPITALISMO

Professor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL)

A PANDEMIA CHAMADA CAPITALISMO

Tragédia 1

A história da humanidade foi forjada pelo afastamento gradual das barreiras naturais e pelo crescente poder da subjetividade. O desenvolvimento da capacidade ganhou corolários nunca antes alcançados na história na humanidade com o desenvolvimento do modo de produção capitalista. Esse afastamento gradual das barreiras naturais permitiu as grandes descobertas e a revolução científica moderna. A revolução operada na arte de marear pelos europeus assegurou a colonização da América.

O afastamento das barreiras naturais reveladas nas navegações transatlânticas estabeleceu as bases para o processo de acumulação primitiva de capitais, em que as populações nativas foram saqueadas ou submetidas pela violência aos imperativos do trabalho compulsório ou escravo. O afastamento das barreiras naturais representou acumulação de riqueza para os capitalistas europeus e implicou na destruição das distintas formas de sociabilidade existente na América. Assim, as civilizações incas, astecas, maias e as comunidades primitivas foram submetidas aos imperativos do capital.

Nota-se que a primeira manifestação da mundialização capitalista se inscreveu sob o signo da contradição, sendo positiva para os capitalistas europeus e negativa para os povos nativos da América. A mundialização unificou os povos conquistados da América aos interesses dos mercadores europeus. Nesse encontro, os povos autóctones foram abraçados por uma forma de mundialização perversa, pois os povos da América desconheciam as epidemias e as doenças que existiam na Europa. Os colonizadores derrotaram os indígenas através de práticas pedestre e rastejante como insuflando epidemias como sarampo, varíola, rubéola, sífilis, tuberculose, coqueluche, catapora, peste bubônica, difteria, disenteria amebiana e gripe.Essas epidemias serviram para devastar o império asteca no México sob o comando do facínora Hernán Cortés.

Quando o maldito colonizador pisou no solo mexicano em 1519 existia na região da mesoamérica aproximadamente 30 milhões de habitantes e no final do referido século existia somente 2 milhões. A principal arma que dizimou 28 milhões de pessoas, os mexicas chamaram de cocoliztli (o mal ou pestilência). Nenhuma outra epidemia matou tantos mexicas quanto o cocoliztli. Os sintomas dessa enfermidade que dizimou grande parte da população mexicana originária eram febre alta, dores de estômago, diarreia, sangramento, ictericia. A pessoa contaminada não durava mais do que quatro dias de vida (ÁNGEL, 2018, p. 1).

Os colonizadores europeus foram os veículos transmissores das doenças que varreram da América parte expressiva de seus 100 milhões de habitantes, uma população superior a população europeia, que no século XVI possuía somente 60 milhões de habitantes. Parece claro hoje que sem a recorrência ao expediente das epidemias a dominação europeia teria no mínimo sido retardada. Isso quer dizer que os europeus ganharam a guerra contra os povos nativos utilizando outros instrumentos, pois geralmente se destaca sua superioridade bélica, ou seja, a sua superioridade militar. A conquista da América não se inscreve somente devido o afastamento das barreiras naturais operadas pelos europeus, mas especialmente recorrendo aos expedientes mais baixos e torpes. O que denota a forma como o capitalismo veio ao mundo, escorrendo lama e exalando doença por todos os seus poros.

Os povos americanos eram saudáveis e praticamente eram isentos de enfermidades, isso resultava duma relação harmoniosa com a natureza e não de uma relação de conquista na perspectiva de subordinar a natureza para atender seus interesses voltados para o lucro. Até mesmo a febre amarela (procedência africana) foi uma doença espalhada entre os povos nativos no contexto da mundialização do capital, em que as populações escravizadas foram transportadas como mercadoria para a América. Os europeus espalharam no continente americano doenças de natureza coletiva, doenças transmitidas para muitas pessoas, o que faculta a disseminação de epidemias ou pandemias com potencialidade de dizimar populações inteiras destituídas de sistema imunológico. Somente os povos que não tiveram nenhuma espécie de contato com os colonizadores, que viveram completamente isolados conseguiram escapar de tamanha ação facínora.

Tragédia 2

A tragédia que marcou o encontro do europeu com os ameríndios continuou na etapa posterior a colonização. A expropriação das terras indígenas e a destruição dos complexos sistemas naturais existentes pela ação predatória do capital incidiu sobre a possibilidade de reprodução da existência material e socioeconômica dos povos autóctones. A ação predatória e epidemiológica do capital mercantil que levou a destruição das civilizações existentes na América continuou na fase do capital industrial e financeiro.

É preciso apontar que as epidemias não vão sozinhas ao mercado universal, elas são sempre transportadas pela figura do capitalista. Essas epidemias são devastadoras quanto encontram povos virgens e destituídos de qualquer processo imunológico e de qualquer sistema de proteção sanitária. A destruição da natureza pela ação predatória do capital serve para promover desequilíbrio ambiental, quebra da ciclo natural de reprodução de determinada espécie de ser, intensificação da exploração da trabalho.

A quebra desse equilíbrio esteve presente no surto de febre amarela na região Sudeste do Brasil em 2015. A tragédia de Mariana (MG) foi provocada pela ganância capitalista representada na Samarco Mineração S. A.. As mudanças bruscas provocadas pelo rompimento da Barragem Fundão serviram para promover um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil. O número mais expressivo de mortes aconteceu em Minas Gerais, como quase 200 casos (entre 2016-2018). Em São Paulo foram computadas 36 mortes por febre amarela. E o Rio de Janeiro teve 08 pessoas mortas. A empresa (Samarco) responsável pelo desastre ecológico e pela epidemia de malária recebeu uma multa de R$ 350 milhões e obteve um um lucro 21 vezes acima do valor estabelecido. A ação destrutiva da Vale (maior proprietária da Samarco) continuou e se revelou de maneira contundente em Brumadinho.

A ação predatória do capital ensejada em seu novo processo de mundialização se expressa na intensificação da exploração do trabalho, na destruição da natureza e dos mananciais de água potável, no desequilíbrio do meio ambiente, no aquecimento global, no desmatamento e destruição de espécies animais e vegetais, nas queimadas, no crescimento urbano desordenado, na poluição das cidades, no uso de pesticidas a serviço do agronegócio. As substâncias usadas atualmente na lavoura podem provocar desequilíbrios ambientais graves e prejuízos profundos à saúde humana. A região amazônica está sendo completamente destruída pelo agronegócio para produzir commodities e atender aos interesses do mercado mundial.

O continuo afastamento das barreiras naturais realizado pelo capital financeiro tem implicado na destruição de ecossistemas milenares na China, na África, no Brasil, na Índia, na Itália etc. A maioria das epidemias e pandemias contemporâneas – como H1N1, Ebola, dengue etc. – está associada à destruição de ecossistemas naturais e a relação mercadológica do homem com a natureza. O H1N1 esteve associado ao contato dos homens com aves na produção avícola chinesa. E a irradiação do novo coronavírus (Sars-CoV-2) na China está relacionada ao mercado de frutos do mar na cidade de Wuhan, onde são comercializados outros tipos de animais.
A fábrica do mundo cresceu expressivamente nas últimas décadas graças a uma degradação selvagem do meio ambiente e ao processo gigantesco de expropriação das terras camponesas. As grandes obras de infraestrutura chinesa se inscreveram sobre a destruição de ecossistemas e destruição da natureza. A constituição de seu enorme parque industrial representa a maior produção mundial de dióxido de carbono e emissões de gases poluentes que levam a morte aproximadamente de 400 mil pessoas anualmente. A contaminação dos rios com metais pesados pelas fábricas produz danos a saúde humana, aos animais e a produção agrícola incessantemente.

A Sociedade Italiana de Medicina Ambiental (Sima) e as universidades de Bolonha e Bari apresentaram estudo associando a expansão da pandemia de coronavírus (Sars-CoV-2) na Itália (onde morreram mais de 4 mil pessoas) com a poluição excessiva da região norte. As partículas de poeira presentes no ar “agem como transportadores”. “Quanto mais elas existem, mais estradas são criadas para o contágio” (ISTOÉ, 2020, p. 1).

Não tem como deixar de articular como a relação mercadológica do homem com a natureza e do homem com o outro o homem tem servido de fundamento para a irradiação da epidemias e pandemias na sociedade capitalista. E a integração dos mercados capitalistas e a impossibilidade de interromper o movimento do capital tem servido para acelerar o processo de expansão da pandemia de coronavírus (Sars-CoV-2) na atualidade.

Não podemos deixar de mencionar como o capitalismo na contemporaneidade tem recorrido ao expediente da guerra bacteriológica. Nesse contexto, a China e os EUA trocam acusações mútuas sobre a possibilidade do coronavírus fazer parte duma nova guerra híbrida entre as grandes potências mundiais. As pesquisas avançadas no campo da modificação de agentes biológicos com objetivos militares estão sendo desenvolvidas pelas grandes potências imperialistas e podem ser usadas contra a humanidade da mesma maneira que as armas nucleares. Não deixa de ser possível a recorrência de mecanismos dessa natureza como alternativa à crise estrutural do sistema do capital. Não podemos esquecer que o capitalismo monopolista recorreu ao expediente de duas grandes guerras mundiais para deslocar as suas contradições provocando a morte de mais de 100 milhões de pessoas.

A crise econômica precede e corta como uma diagonal a pandemia do coronavírus, podendo se constituir como um mecanismo para reorganizar a estrutura do capital profundamente abalada. A crise econômica emana da própria natureza do capital financeiro e intensificar-se com a impossibilidade de expansão do mercado mundial para a absorção dos excedentes produzidos com o rebaixamento constante do valor da força de trabalho. É provável que a fábrica do mundo não pode continuar assegurando os índices positivos da economia mundial. E num contexto recessivo muito superior a crise promovida pela bolsa de valores em 1929, a economia mundial precisa queimar seus excedentes para poder reestruturar a economia mundial. Nesse contexto, a pandemia do coronavírus acontece em concomitância com a crise da Bolsa de Valores.

O coronavírus revela a natureza predatória do capital sobre a humanidade: 1) quando destrói os sistemas naturais e promove desequilíbrio ambiental promovendo um espaço para irradiação de doenças; 2) quando o senhor mercado não pode parar seu circuito produtivo porque tempo é dinheiro; 3) o processo de rotação mundial do capital está acima dos interesses humanos, por isso os aeroportos e os portos internacionais não podem ser fechados para impedir a propagação do vírus. 4) os estados-nacionais completamente subordinados aos interesses das empresas transnacionais não podem alterar à lógica da produção voltada para o lucro e não para o interesse dos seres humanos.

Alternativa ao sistema do capital

O afastamento das barreiras naturais no interior do capital somente serve para economizar tempo de trabalho e intensificar as formas de exploração do trabalho. Em nenhum instante de sua existência o capital se apropriou da ciência e da tecnologia para atender os efetivos interesses humanos. A pandemia do coronavírus permite que a gente possa refletir sobre a verdadeira anatomia do sistema do capital. E ao observarmos a estrutura anatômica do capital mediante uma radiografia computadorizada ou ressonância magnética notamos que o capital inexiste sem a exploração do trabalho. Então é chegada a hora dos trabalhadores pararem a produção para mostrar quem manda de fato na economia. E quando os capitalistas decidirem fechar as fábricas, os trabalhadores devem assumir o controle da produção como também o controle do sistema de saúde e educação pública, porque o Estado somente age em consonância com os capitalistas e estes não permitem que o Estado possa construir uma rede hospitalar do dia para a noite. O momento atual de intensificação da crise do sistema do capital aponta para a necessidade de lançar abaixo o projeto neoliberal e o sistema do capital como um todo.

O afastamento das barreiras naturais realizado pelo capital não serve aos trabalhadores. Por isso que os trabalhadores devem subverter a natureza da ciência e da tecnologia aos interesses do trabalho e da humanidade. Os trabalhadores devem assumir o comando da produção e comando da produção do conhecimento. Ao assumir posição protagonista, os trabalhadores podem destruir a verdadeira pandemia que mata a humanidade: o capitalismo. Se os trabalhadores destruírem o capitalismo será possível, com o excesso de riqueza produzida pelos trabalhadores, produzir centenas e milhares de hospitais do dia para uma noite; podem colocar fábricas para produzir centros cirúrgicos e os equipamentos necessários para atender todos os pacientes de coronavírus abandonados imediatamente. Essas ações imediatas são impossíveis enquanto a organização da produção estiver organizada para assegurar o lucro e não os interesses da humanidade. Por isso que é chegada a hora dos trabalhadores e trabalhadoras assumirem o comando!

Por Artur Bispo

Referências

ANGEL, Miguel. Revelada a causa do misterioso ‘cocoliztli’, o mal que dizimou os índios das Américas. Endereço eletrônico: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/15/ciencia/1515997924_751783.html. Acesso em 22 de março de 2020.

ISTOÉ. Poluição pode ter acelerado transmissão de vírus na Itália. Endereço eletrônico: https://istoe.com.br/poluicao-pode-ter-acelerado-transmissao-de-virus-na-italia/ Acesso em 22 de março de 2020.

Fonte: https://ofensivasocialista.wordpress.com/2020/03/22/a-pandemia-chamada-capitalismo/

LANÇAMENTO EM BREVE!!!

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