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A PANDEMIA DA BOLSA DE VALORES

Professor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL)

A PANDEMIA DA BOLSA DE VALORES

Quando se trata de quebra da Bolsa de Valores sempre se remete à Grande Depressão de 1929, quando o New Deal não conseguiu salvar a economia norte-americana, que somente veio a recuperar-se com o auxílio da Segunda Guerra Mundial e seu poderoso complexo industrial-militar. Nos “trinta anos dourados” do denominado Estado de Bem-Estar Social, a destruição das velhas potências imperialistas permitiu que os excedentes de capitais acumulados pelas empresas norte-americanas pudessem ser absorvidos na reconstrução das economias abaladas pela grande guerra e pelas políticas de industrialização controlada das economias dependentes como a brasileira. No entanto, a recuperação da Alemanha e do Japão na década de 1960 obrigou os Estados Unidos a romperem com o sistema de Bretton Woods e o sistema de câmbio flutuante (fim da paridade do dólar com o ouro) e abrir caminho para um novo cenário de expansão do capital financeiro.

A ascendência do capital financeiro de natureza fictícia resultou do excesso de capital emanado do setor produtivo que passou a não retornar ao referido setor. A mais-valia apropriada pelos capitalistas, na forma de lucro, deixou de ser capitalizada no movimento da reprodução ampliada do capital produtivo e foi deslocada para o sistema financeiro. O excedente de capital oriundo do aumento do valor do petróleo foi depositado nos grandes bancos de Wall Street e abriu caminho para o endividamento completo das economias dependentes.

O ponto de partida da ditadura do capital financeiro foram os petrodólares, que tiveram seu ponto de inflexão nos eurodólares, no aumento de gastos dos Estados Unidos com a Guerra do Vietnã e na recuperação econômica das economias afetadas pela Segunda Guerra Mundial. O acirramento das disputas entre as grandes corporações imperialistas revelou a impossibilidade de expansão dos velhos mercados e desvelou a necessidade de constituição da ciranda especulativa do mercado de crédito, do mercado monetário, do mercado cambial e do mercado de capitais.

O excesso de capitais oriundos dos petrodólares permitiu que os grandes bancos de Wall Street pudessem reciclar esses capitais mediante a constituição do endividamento público das economias dependentes ou periféricas como a brasileira. Quando essas economias entram em crise e decretam moratória, como fizeram México, Argentina e Brasil diversas vezes, o poderoso Estado norte-americano precisou também entrar na ciranda do endividamento externo para salvar o sistema financeiro e seus gigantescos credores, acumulando hoje uma dívida de mais de 22 trilhões de dólares, superior ao PIB do país. O endividamento dos distintos Estados-nacionais tem se constituído como mecanismo essencial para alimentar o cassino mundial das Bolsas de Valores e do mercado de capitais. As Bolsas de Valores estão no centro de todas as crises experimentadas na era da crise estrutural do sistema do capital, em que as políticas neoliberais são mecanismos fundamentais para os EUA subordinarem a economia mundial aos seus interesses.

Esse sistema é muito complexo e possui inúmeros mecanismos para encobrir o fundamento de sua riqueza material. É importante salientar sempre que o dinheiro não brota do nada, mas emana da exploração do trabalho. O portador do dinheiro não faz dinheiro sem antes comprar força de trabalho e meios de produção (maquinaria e matéria-prima). A lei absoluta do sistema do capital chama-se mais-valia. É a mais-valia que faz o capitalista abrir uma fábrica de salsicha ou uma escola. No entanto, a economia capitalista ficou ainda mais complexa, e sua capacidade de encobrir o fundamento da riqueza da sociedade ainda mais sofisticada com a ascensão do capital financeiro.

A partir da década de 1970, o capital financeiro exacerba seu aspecto perdulário e parasitário com o crescimento exponencial do mercado de capitais (títulos públicos, fundos de pensão, seguros, derivados etc.). O capital financeiro tem na Bolsa de Valores um veículo de reprodução social; no entanto, a Bolsa de Valores não produz nenhuma riqueza, porquanto não passa de um espaço em que a riqueza proveniente da esfera do capital produtivo (industrial ou agrário) aparece na forma de rendimentos. O rendimento resulta do direito de propriedade e da expansão efetiva do processo de acumulação de mais-valia e do lucro, configurando-se como simples forma de participação nos rendimentos auferidos.

O capital financeiro fictício não representa diretamente o mundo da produção e acumulação do excedente econômico, mas da geração e acumulação dos direitos de propriedade. Os títulos estão assentados nos preceitos jurídicos que regulamentam o direito de propriedade. Trata-se de um ordenamento jurídico relacionado ao processo de distribuição de renda de propriedade. Os títulos das empresas negociados na Bolsa de Valores não passam de um direito de rendimento, não possuindo vínculo direto com o movimento produtivo da empresa. O título não tem relação direta com a produção nem representa um ativo real vinculado ao movimento produtivo da empresa. O título é uma ficção, como é fictício o capital especulativo. O valor dos títulos está relacionado às expectativas de rentabilidade do mercado (SANTOS NETO, 2019).

Na Bolsa de Valores compra-se o direito de propriedade e com esse direito se pode auferir rendimentos que podem emanar ou não da produção. O que não emana da produção não passa de uma jogatina em que o que se ganha de um lado e se perde do outro. Isso não implica que inexista alguma espécie de relação entre capital financeiro e capital produtivo. A relação pode existir, mas depende sempre do interesse do elemento financeiro. Ele é o elemento predominante no circuito do capital nos tempos hodiernos.

Por isso os investimentos na Bolsa de Valores e na acumulação de ativos financeiros não significam uma expansão similar no reino da produção efetiva. O sistema financeiro revela-se como um todo articulado, erguido pelo mercado de crédito (formado pelos bancos comerciais – negociação de empréstimos), mercado monetário (negociação da dívida pública), mercado cambial (negociação com moedas estrangeiras) e mercado de capitais (relacionado às atividades das sociedades anônimas e à negociação de participação). O mercado de capitais é um negócio profundamente suscetível de prejuízo para os pequenos e de lucros para os gigantes. A rentabilidade obtida no reino da especulação é determinada pelo movimento operado pelas grandes agências financeiras que controlam o movimento de circulação dos títulos e das ações na Bolsa de Valores. Elas atuam de forma coordenada na manipulação das operações financeiras, visando favorecer os seus negócios e prejudicar os outros. Para isso existem as empresas de riscos, que são manipuladas pelo centro de comando da ditadura do capital (Wall Street).

1 A crise do cassino chamado mercado financeiro

A crise iniciada com o fim do padrão-ouro deixou de ser uma exceção e passou a ser inerente ao sistema do capital financeiro. Na esteira dessa primeira crise, veio a crise do petróleo em 1973; a crise mexicana em 1982; a crise do sistema financeiro norte-americano que promoveu a falência de 1.860 bancos e 1.400 companhias de poupanças e empréstimos em 1987; a crise do peso mexicano em 1994; a crise dos gigantes asiáticos (Malásia, Indonésia, Filipinas, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul) em 1997; a crise do rublo (Rússia) em 1998; a crise das pontcom em 2000 – excesso de capitais no mundo dos derivativos que levou à falência de 5 mil empresas; a crise das Torres Gêmeas em 2001; a crise argentina em 2001; a grande recessão norte-americana em 2008; a crise da dívida na Europa em 2010; a crise das Bolsas em 2020.

A crise financeira de 2008 constituiu-se como a maior crise econômica desde a queda da Bolsa de Valores de 1929. A falência do banco de investimento Lehmann Brothers (1850) arrastou consigo enormes instituições financeiras, como a empresa de seguros American International Group (AIG), e propagou-se para instituições financeiras como Citigroup e Merril Lynch nos EUA; Northern Rock na Grã-Bretanha; Swiss Re e UBS na Suíça; Société Générale na França; Sadia, Aracruz Celulose e Votorantim no Brasil. Para salvar o capitalismo, o governo americano estatizou as agências de crédito imobiliário, como Fannie Mae e Freddie Mac, e, posteriormente, as unidades produtivas, como a GM (General Motors). A aprovação em outubro de 2008 dum pacote de salvamento das instituições em crise, da ordem de 1,5 trilhão de dólares, foi somente o primeiro passo dum conjunto de ações estatais num volume da ordem de 12,3 trilhões de dólares.

A crise econômica dos EUA arrastou consigo o velho continente europeu, e as principais economias mundiais entraram num processo recessivo durante toda a década de 2010-2020. Ao contrário do que diziam os apologetas do sistema financeiro, a economia mundial não se recuperou em dez anos; pelo contrário, a economia entrou numa recessão ainda maior dez anos depois. O Estado mínimo para os trabalhadores e o Estado máximo para os capitalistas foram as tônicas das políticas econômicas adotadas, desvelando a natureza fundamental do Estado: tirar dos trabalhadores para entregar aos tubarões do sistema financeiro, como está fazendo o governo brasileiro agora.

Uma nova ditadura do sistema financeiro é observada em meio à pandemia do coronavírus. Os digníssimos representantes dos organismos internacionais são unânimes em afirmar que estamos vivendo uma crise maior do que a de 2008 e que o Brasil está no olho do furacão. Tudo indica que a economia global deve aprofundar um ciclo de estagnação. A recessão precede a crise sanitária do coronavírus. A crise brasileira precede a crise do coronavírus e revela a natureza perversa do sistema do capital, em que os seres humanos aparecem abaixo do valor das mercadorias (ferro, soja, milho, cana-de-açúcar etc.).

A crise financeira iniciada em 24 de fevereiro de 2020 afetou as principais bolsas do mundo: Wall Street despencou 10% apenas em um dia; o índice composto canadense de S&P/TSX caiu 12%; o índice italiano FTSE MIB fechou com uma perda de 16,92%; o DAX da Alemanha desmoronou 12,24% (CORREIA, 2020, p. 1). Os títulos do Tesouro dos EUA de dez anos alcançaram os níveis mais baixos de sua história (menos de 1%). No Brasil, o Ibovespa caiu 15,78% somente num dia, após suas negociações terem sido interrompidas seis vezes. Isso não impediu que as empresas que especulam na Bolsa brasileira experimentassem um prejuízo de mais de 1,5 trilhão de reais.

A tendência de crise da economia mundial pode ser observada no PIB dos EUA que não passou de 2,3%; da Zona do Euro, que estacionou em 1,2%; do Brasil, que ficou em 1,1%. A maioria das economias mundiais apresentaram taxas econômicas de estagnação no primeiro trimestre de 2020. Isso bem antes de o coronavírus tornar-se uma pandemia. A autonomia relativa da Bolsa de Valores demonstra que sua queda é expressão da grande crise que acomete o setor produtivo e tem sido intensificada pela natureza predatória do próprio capital financeiro. A queda real do valor das commodities e a diminuição da capacidade produtiva e de expansão do capitalismo derivam da queda de preços do barril do petróleo na Arábia Saudita e Rússia, das guerras comerciais entre EUA e China, entre outras coisas. Embora o mundo das Bolsas de Valores tenha autonomia relativa e não esteja diretamente relacionado à produção de bens materiais e de bens de serviços, ele incide sobre a esfera da produção de mercadorias devido ao papel que as grandes instituições financeiras exercem sobre o capital produtivo.

A crise não decorre simplesmente da paralisação da produção e das atividades de bens e serviços prestados por conta da pandemia do Covid-19, mas da própria ditadura do capital financeiro, iniciada em 1970. As medidas adotadas pelos distintos governos não representaram a suspensão das atividades de exportação e importações de mercadorias; tão somente foram estabelecidas medidas restritivas à circulação de pessoas e não à circulação de mercadorias. Afinal, as mercadorias não podem parar de circular, pois, se elas pararem de circular, o capital interrompe seu sistema de rotação e a mais-valia produzida não é realizada. A diminuição da capacidade produtiva da China precede a crise promovida do coronavírus (Covid-19) e transcende o problema sanitário, envolvendo toda a estrutura do sistema forjado na exploração do trabalho, na tentativa desesperada de assegurar suas taxas de lucro mediante novos processos de acumulação de mais-valia.

Os representantes dos organismos internacionais apontam que a pandemia do coronavírus causará uma recessão global maior que a observada em 2008, mas que a economia irá se recuperar. Para isso, eles contam com o auxílio poderoso da maquinaria estatal, que mesmo endividada começou a forjar pacotes trilionários para salvar os grandes bancos e as instituições financeiras. Como em 2008 e nos períodos passados, o Estado atua como o salvador do sistema financeiro, repassando o ônus da crise para a classe trabalhadora.

Para blindar o sistema financeiro e garantir a ditadura do capital sobre o trabalho, os governos novamente adotam megapacotes de socorro às grandes instituições financeiras. Tanto os países ricos quanto os países pobres procuram evitar a débâcle dos mercados mediante a liberação de pacotes trilionários. A ação coordenada dos senhores do mercado global implicou a formação de vários pacotes dos governos e seus bancos centrais, visando salvar os especuladores do gigantesco prejuízo.

O Banco Central Europeu anunciou a injeção de 1 trilhão de euros para salvar o sistema financeiro europeu. A Alemanha lançou um pacote de estímulo na ordem de 750 bilhões de euros. Diante da negativa dos democratas em aprovar um pacote de 2 trilhões, além do anunciado pelo governo Donald Trump de 1,5 trilhão, o FED adotou medidas de ampliação do crédito para distintos setores e não somente para os banqueiros. Seguindo a mesma política dos governos centrais, o presidente do Banco Central do Brasil anunciou um auxílio de 1,28 trilhão de reais para as grandes corporações financeiras.

Mesmo com as medidas adotadas pela organização das instituições financeiras e das gigantescas corporações empresariais, a perspectiva é de contração da economia mundial. Para a firma de gestão de recursos e consultoria Schoders (OLIVEIRA, 2020, p. 1), “o PIB do mundo vai ter retração de 3,1% este ano em comparação com 2019”. Na Zona do Euro, a atividade empresarial caiu 31,4 pontos em março e despencou 51,6 pontos em fevereiro (G1, 2020, p. 1). O Brasil (representa 2,4% do PIB global) deve seguir a tendência da economia mundial, experimentando uma profunda recessão, com previsão de queda de 4% no seu PIB. No entanto, existem os mais otimistas, como os Bancos JPMorgan e Goldman Sachs, que estimam que a economia brasileira vai sofrer uma retração de somente 1% de seu PIB em 2020.

2 A crise servirá para aumentar a ditadura do mercado financeiro sobre o trabalho

A crise financeira derivada da pandemia do coronavírus aprofunda o processo de concentração e centralização de capitais nas mãos das gigantescas corporações transnacionais. Na obrigação de salvar o sistema financeiro em crise, os governos aprofundarão seu endividamento mediante o aumento dos empréstimos públicos. Os Estados-nacionais vão endividar-se ainda mais para salvar os capitalistas da crise. Isso tornará os Estados-nacionais ainda mais dependentes do sistema financeiro. O endividamento dos Estados fortalecerá o poderio de suas grandes corporações financeiras no mercado mundial, que operarão no sentido de eliminar do cenário internacional as empresas menores e aquelas pertencentes às subpotências.

Os estados imperialistas mais poderosos, como Estados Unidos (21% do PIB global) e China (14% do PIB global), estarão também mais endividados, mas como subordinam as economias dependentes aos interesses de seus gigantescos grupos financeiros, contarão com mecanismos mais eficazes para transferir o peso da dívida pública e seu déficitfiscal para os trabalhadores do Terceiro Mundo. A transferência de recursos públicos para as grandes corporações livrará da falência os “grandes demais para quebrar” e eliminará do mercado as transnacionais que não tiverem capital suficiente para ampliar sua capacidade produtiva (maior desenvolvimento tecnológico e científico).

As principais empresas abaladas pela queda da Bolsa de Valores foram as transnacionais como Petrobras, Ambev, Banco Itaú Unibanco, Bradesco etc. A dificuldade para as transnacionais das economias dependentes ou subimperialistas se recuperar implicará uma tomada de seu espaço pelas concorrentes das economias imperialistas. Na perspectiva de conter a tendência de colapso de inúmeras empresas, o governo “Bolso” liberou 1,2 trilhão de reais para essas empresas, pela mediação do Banco Central, e liberou mais 167 bilhões de reais pelo Ministério da Economia. O BNDES liberou ainda 55 bilhões de reais para as empresas em crise; o Ministério da Economia liberou 88,2 bilhões reais para os estados (sendo 40 bilhões de reais para operações de crédito no sistema financeiro, 12,6 bilhões de reais para a suspensão das dívidas dos estados, 16 bilhões de reais para fundos de participação dos estados e municípios, 9,6 bilhões de reais para a renegociação de dívidas dos estados, somente oito bilhões de reais para a saúde e dois bilhões de reais para a assistência social). Os oito bilhões de reais da saúde não representam absolutamente nada quando se considera que o governo federal cortou vinte bilhões de reais do orçamento que seria destinado ao SUS (Sistema Único de Saúde). Sem contar nos cortes aplicados recentemente à educação (corte das Bolsas da CAPES), ao Programa Bolsa Família.

A pandemia do coronavírus levou o governo, em menos de duas semanas, a efetivar um megaprojeto de auxílio aos tubarões do sistema financeiro na ordem de 1,5 trilhão de reais, que somado ao pagamento da dívida pública, deve ficar próximo do orçamento federal de 2020. O montante de recursos destinados aos banqueiros deve transcender 3 trilhões de reais, pois muitos outros pacotes de auxílio ainda serão oferecidos. Com isso, o governo “Bolso” deve assegurar sua posição como efetivo representante dos interesses do mercado financeiro num contexto em que sua política sanitarista revela-se completamente desastrosa.

As trapalhadas do presidente demonstram como a ditadura do mercado pode recorrer à figura de um “imbecil útil” para realizar seus propósitos. As trapalhadas do “imbecil” revelam a natureza “diabólica” da Bolsa de Valores e do mercado financeiro. A irracionalidade do governo no tratamento da saúde pública expõe a natureza autoritária do sistema do capital, em que a vida dos seres humanos não vale nada. A insanidade mental do representante político do capital mostra com clareza a natureza patológica do capital financeiro e a necessidade de uma ofensiva de massa socialista.

Na perspectiva do capital, a crise em curso deve servir para operacionalizar uma verdadeira reconfiguração do mercado mundial em benefício das maiores corporações financeiras e multinacionais das economias imperialistas como EUA e China. As grandes corporações globais devem ampliar seu poderio nos complexos produtivos de bens e serviços e no mercado financeiro.

O encolhimento do mercado para as empresas transnacionais das economias dependentes representará uma diminuição das receitas e a necessidade de intensificação do endividamento interno e externo. Para enfrentar as dificuldades, os Estados-nacionais serão obrigados a aplicar novas medidas neoliberais. Desse modo, ao invés de melhorar o sistema público de saúde, ele vai destruir ainda mais o sistema público de saúde para beneficiar o setor privado.

A ação dos governos (extrema direita ou democrata) será uma só: assegurar a ditadura do mercado sobre o trabalho. A crise do coronavírus permitirá aumentar a concentração de riqueza num polo e a concentração de miséria no outro. A crise econômica inscrita no contexto do coronavírus servirá para os tubarões engolirem os peixes pequenos. O desaparecimento de milhares de pequenas e médias empresas resultará no aprofundamento do desemprego na esfera internacional. A dificuldade de essas empresas terem acesso às políticas ensejadas pela maquinaria estatal para os grandes capitalistas implicará em sua destruição paulatina. Na verdade, essas empresas não passam de subsidiárias das políticas de terceirização e flexibilização das relações de trabalho no mundo inteiro.

É a intensificação do processo de acumulação por espoliação que se configura como elemento nodal no capitalismo contemporâneo mediante o avanço da dívida pública, a manipulação do sistema de crédito, a supervalorização das ações, a manipulação do sistema financeiro, a fraude corporativa e os ataques constantes aos direitos das trabalhadoras e trabalhadores. A atuação dos fundos especulativos de cobertura e outras instituições financeiras exerce papéis relevantes no processo de acumulação por espoliação (HARVEY, 2004, p. 110). Pela mediação da crise de liquidez as grandes corporações financeiras podem forçar a falência de empresas concorrentes como pode adquiri-las facilmente. Essa forma de acumulação se estende ao processo de privatização de ativos públicos, do conhecimento produzido pelas universidades, do movimento de privatização dos recursos naturais (água, energia etc.) e dos serviços públicos. A ortodoxia das medidas neoliberais se plasma através da acumulação por espoliação. Escreve Harvey (2004, p. 111): “A acumulação por espoliação pode ocorrer de diversos modos e seu modus operandi tem muito de contingente e casual. Apesar disso, é onipresente, sem importar a etapa histórica, e se acelera quando ocorrem crises de sobreacumulação na reprodução ampliada, quando parece não haver outra saída a não ser a desvalorização”.

Após 12 anos da grande crise de 2008 e dez anos da crise do mercado europeu, o sistema financeiro entra novamente em colapso. A política econômica ensejada pelos governos da burguesia no mundo inteiro será a mesma: ataque aos direitos dos trabalhadores. O discurso do governo de extrema direita do Brasil, em pleno auge da pandemia do coronavírus, demostra cabalmente isso. O capital é um sistema absoluto que não aceita partilhar nada com o trabalho.

3 A necessidade do protagonismo da classe trabalhadora

É preciso que a classe trabalhadora tome consciência de que a sua emancipação passa pela destruição da ditadura do capital. Não existe nenhuma possibilidade de conciliação do trabalho com o capital, porque este somente pode se reproduzir dominando o trabalho. Por isso o governo “Bolso” não pode deixar de atacar os trabalhadores em meio à crise do coronavírus. Pelo contrário, ele aproveita a pandemia para lançar uma série de ataques às trabalhadoras e trabalhadores. Além de propor o corte dos salários dos servidores públicos em até 50%, com o aval do Congresso Nacional, edita uma Medida Provisória que permite aos patrões a demissão de seus trabalhadores, a redução de salários e o estabelecimento de acordos unilaterais e inconstitucionais.

Depois do impeachment de Dilma Rousseff para viabilizar a ascendência da extrema direita no comando da administração dos negócios da burguesia brasileira, os petistas passaram a denunciar a possibilidade de retorno da ditadura militar e a constituição de um sistema de exceção no Brasil, marcado pela ameaça às instituições democráticas. É importante destacar que os petistas nada disseram contra a ditadura dos mercados e a ditadura do sistema financeiro, pois quando estavam no comando político da economia nacional serviram completamente aos interesses do sistema financeiro. A dívida pública passou de 640 bilhões para 1,4 trilhão entre 2002 e 2007. Em 2010 a dívida representava 1,65 trilhão. Em 2015 o endividamento público alcançou quatro trilhões de reais. O volume da dívida pública ampliou-se em mais de seis vezes nos governos petistas. Isso indica que a política de conciliação de classe diminuiu o processo de ocupação de terras no Brasil, beneficiando o agronegócio para subordinar as centrais sindicais à lógica dos fundos de pensão mediante o sindicalismo “acionário”. A defesa da presença dos trabalhadores na Bolsa de Valores passou a ser a tônica dos representantes sindicais que creem na possibilidade de oferecer uma face humana ao sistema financeiro.

É bom destacar que quando os petistas combatem a possibilidade de retorno da ditadura militar no Brasil, porém, se esquecem de dizer que os mesmos protagonistas (banqueiros, construtoras, latifundiários/agronegócio) que sustentaram a ditadura militar também sustentaram seus governos. Petistas e adeptos da extrema direita não podem atacar o problema central que afeta a classe trabalhadora, ou seja, não podem atacar a verdadeira ditadura que se plasma no interior da ditadura militar ou da democracia burguesa: a ditadura do mercado, a ditadura do sistema financeiro ou a ditadura do sistema do capital.

Esse é o verdadeiro inimigo da classe trabalhadora, um inimigo muito complexo e difícil de combater porque ele tem muitos aliados e muitos seguidores. A classe trabalhadora é a única que pode combater a ditadura do mercado e destruir o sistema do capital. Para isso ela precisa se desprender das ilusões da democracia burguesa defendida pelo PT (lulismo) e da extrema direita, pois ambas estão subordinadas à lógica do capital financeiro. Ambas as formas de configuração política são inúteis para que trabalhadoras e trabalhadores se emancipem do capital porque venderam a sua alma ao deus chamado capital financeiro. Eles venderam sua alma ao diabo e estão destituídas de qualquer possibilidade de oferecer uma alternativa à classe trabalhadora. Eles serviram para aprofundar o endividamento externo e interno; ampliar o poder das Bolsas de Valores; alimentar o sistema financeiro através da ampliação da abertura para o ingresso de capital estrangeiro do país; além de aprofundar o processo de internacionalização da economia brasileira mediante a expansão do agronegócio e a desindustrialização nacional. Os petistas e a extrema direita não podem participar do projeto de emancipação da classe operária e camponesa porque venderam sua alma ao mercado financeiro quando aplicaram inúmeras reformas contra os direitos dos trabalhadores (reforma da previdência, reforma trabalhista).

A emancipação da classe trabalhadora é tarefa das próprias trabalhadoras e trabalhadores. Somente as organizações que possuem um programa radicalmente contrário ao capital e centrado na necessidade de alterar radicalmente a estrutura do trabalho têm algo a dizer para estes; somente a classe trabalhadora pode desempenhar o protagonismo na destruição da ditadura do capital sobre o trabalho, a fim de emancipar a humanidade. Para isso é fundamental, em meio à pandemia do coronavírus, que esta fortaleça suas organizações e instrumentos de luta. É preciso que trabalhadores demitam os patrões e acabem com a ditadura do capital, destruindo o mercado internacional e a Bolsa de Valores.

O primeiro ato revolucionário é a organização do trabalho associado, livre e universal contra o trabalho assalariado, enquanto forma de reprodução do trabalho escravo ou servil. Nesse processo, a classe trabalhadora deve, em uníssono, decretar morte à Bolsa de Valores, ao Mercado Financeiro, aos bancos, às instituições financeiras, aos fundos de pensão, aos seguros, aos derivativos e a todas as formas de manifestação do capital financeiro, industrial e comercial. Para isso, trabalhadoras e trabalhadores precisam assumir o comando de cada fábrica e de cada supermercado, de cada pedaço de terra e da cada espaço no território urbano, de cada empresa de telecomunicação e de cada centro de produção do conhecimento. É preciso expropriar os capitalistas e destruir a ditadura do mercado contra o trabalho. É preciso liquidar o sistema financeiro para o bem da humanidade. Do contrário, serão dezenas de trilhões para o sistema financeiro e nada para a classe trabalhadora.

Referências

CORREIA, Karla Mamona Beatriz. Bolsa brasileira já perdeu R$ 1,3 trilhão em valor de mercado em 2020. Endereço eletrônico: https://exame.abril.com.br/mercados/bolsa-brasileira-ja-perdeu-r-13-trilhao-em-valor-de-mercado-em-2020/

G1. Últimas notícias sobre os mercados em 24 de março. Endereço eletrônico: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/24/ultimas-noticias-sobre-os-mercados-em-24-de-marco.ghtml. Acesso em 24 de março de 2020.

HARVEY, David. O “novo” imperialismo: acumulação por espoliação. Socialist register, 2004.

OLIVEIRA, João José. Mundo vai parar, empresa pequena quebra e ricos dominam, dizem analistas. Endereço eletrônico: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/23/coronavirus-vai-concentrar-riqueza-e-mudar-cadeia-global-de-producao.htm. Acesso em 24 de março de 2020.

SANTOS NETO, Artur Bispo. A presença do capital industrial-financeiro no Brasil. Maceió: Edufal, 2019.

Fonte: https://ofensivasocialista.wordpress.com/2020/03/22/a-pandemia-chamada-capitalismo/

LANÇAMENTO EM BREVE!!!​

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