CORONAVÍRUS E A CRISE ECONÔMICA BRASILEIRA
A hegemonia do imperialismo norte-americano ganhou um nível de mundialização com o fim das experiências pós-capitalistas na China, União Soviética e países do Leste Europeu. A completa inserção dessas economias ao capitalismo permitiu um arrefecimento da crise estrutural do sistema do capital mediante as taxas elevadas de crescimento econômico alcançadas nas últimas três décadas. No entanto, a economia chinesa experimenta o maior nível de estagnação econômica desde a morte de Mao em 1976 e seu processo de abertura para o mercado capitalista. Uma possível taxa de crescimento negativa em 2020 representa ruína do sonho da grande potência que iria superar o imperialismo norte-americano nas próximas décadas. As ilusões do plano Made in China 2025 podem acabar antes do tempo anunciado com a taxa de crescimento negativo no primeiro trimestre de 2020 e exercer efeito dominó sobre todas as economias capitalistas.
Independente do Covid-19 ter surgido em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, o problema da economia chinesa não resulta dessa espécie de coronavírus, porque a própria China teve em 2002 uma epidemia com o coronavírus SARS que matou 9,6% das pessoas contaminadas.
Do mesmo modo que não se pode apontar que o problema econômico e político do Irã seja resultado do coronavírus MERS, que matou 35% das pessoas contaminadas até o momento, representando uma pessoa morta a cada dez minutos. Em escala mundial são mais de 9 mil mortes, apresentando como primeiro colocado a Itália com 3.405 pessoas e em segundo lugar a China com 3.245 pessoas. As estatísticas oficiais no Brasil apontam para 548 casos de infecção graves e 7 mortes.
Os capitalistas do mundo inteiro estão unidos no sentido de afirmar que o culpado pela crise econômica é a pandemia de coronavírus, trata-se de uma manipulação visando impedir que a classe trabalhadora alcance o verdadeiro fundamento da crise econômica. Por sua vez, embora a Covid-19 (doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2) não seja a causa da crise econômica, ela está conectada à crise do sistema do capital de distintas maneiras. Ao invés de ser causa ela é muito mais efeito.
A propagação rápida do coronavírus em escala mundial deve-se à completa abertura dos mercados para o grande capital e do processo de implementação das políticas neoliberais que destroem o sistema público de saúde. O desmonte foi estabelecido como imposição dos organismos internacionais e devido à subordinação dos diferentes Estados-nacionais à política de pagamento dos juros da dívida pública e ao estabelecimento de limites ao teto nos gastos públicos com saúde, educação e funcionalismo público.
O desenvolvimento do referido vírus resulta da natureza predatória do sistema do capital e do processo de transformação da saúde pública em mercadoria, em que os Estados-nacionais comparecem como correia de transmissão dos interesses das grandes corporações transnacionais. A relação orgânica de comprometimento dos Estados-nacionais com o grande capital pode ser observada no meio da pandemia de coronavírus em que ao invés de liberar recursos significativos para salvar as pessoas da enfermidade e da morte, libera-se recursos públicos para salvar os investidores das bolsas de valores, do sistema financeiro, das empresas transnacionais, das empresas de aviação etc. Os EUA liberaram, em 14 de março, 1,5 trilhão de dólares para salvar os investidores e somente 50 bilhões de dólares para combater o coronavírus. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) aponta que as companhias aéreas vão precisar de um auxílio emergencial da maquinaria estatal de pelo menos US$ 200 bilhões para atravessar a crise do momento.
A União Europeia (com seus 27 Estados membros) constituiu um Fundo de Investimento de 25 mil milhões de euro que será dedicado aos problemas da economia europeia. Desse montante, somente €140 milhões será dedicado ao desenvolvimento de vacina para combater a pandemia. A crise econômica da Europa se revela da queda de mais de 6% na indústria alemã entre 2018 e 2019. As empresas alemãs não estão importando seus produtos manufaturados para abastecer suas subsidiárias na China devido à redução da demanda internacional pelos produtos feitos na fábrica do mundo.
Na mesma trilha, o governo Bolsonaro liberou um pacote de estímulo para os especuladores financeiros de 147 bilhões de reais na última semana e somente 5 bilhões para resolver o problema da pandemia no Brasil. Medidas como antecipação da primeira e segunda parcelas do 13o para aposentados e pensionistas, abertura para novos saques do FGTS e inclusão de novas pessoas no Programa Bolsa Família, depois de inúmeros cortes, não passam de reedição das velhas práticas para aquecer o mercado interno. O centro de gravidade continua sendo salvar os capitalistas do aprofundamento da crise mundial e da relação de dependência orgânica da burguesia nacional à burguesia internacional mediante a produção agroexportadora e o processo de reprimarização da economia brasileira.
Os efeitos da Covid-19 sobre a classe trabalhadora brasileira são preocupantes porque todos os governos precedentes cumpriram à risca as orientações para destruir o Sistema Único de Saúde (SUS) e beneficiar as grandes corporações que atuam na área da saúde. A fragilidade do sistema de saúde brasileira foi comprovada no tratamento da epidemia promovida pelo H1N1 que matou milhares de pessoas entre 2009-2016. Atestada ainda no tratamento da tuberculose que mata uma média de 5 mil pessoas anualmente. Uma doença considerada como erradicada nas economias adiantadas. O mesmo observa-se no tratamento de doenças como dengue, gripe, sarampo etc.
No meio da crise sanitária o governo Bolsonaro não deixa de atacar os direitos dos trabalhadores, aprovando medida que permite que os capitalistas reduzam os salários em 50%. Isso indica uma tendência a agravar o sofrimento e a exploração da classe trabalhadora. Ao invés de constituir medidas urgentes no sentido de evitar a entrada da pandemia no território brasileiro, a burguesia nacional, em conluio com a burguesia internacional, procurou retardar qualquer processo de liberação de recursos econômicos para o Sistema Único de Saúde. Isso pode ser observado nos recursos que foram cortados para a Fundação Oswaldo Cruz, responsável por desenvolver a tecnologia para produzir kits para teste do coronavírus, que o Ministério da Saúde anunciou que não tem condições de oferecer para a maioria das pessoas. Situação mais complicada perpassa as unidades hospitalares que tiveram seu número de leitos nas UTI reduzido nos últimos anos, em que dos 16 mil leitos existentes na rede pública 15,2 mil estão ocupados, seguido do desmonte progressivodo Programa de Saúde Mais Médicos com o fim do contrato com os médicos cubanos.
O comprometimento com os interesses das grandes corporações capitalistas não é arrefecido nem mesmo com a contaminação dos 19 membros do alto escalão do governo que desdenha da ciência e considera a terra plana. A comitiva presidencial contaminada na visita aos EUA revela o desastre do sistema de saúde neoliberal instaurado no coração do império. Isso implica que a classe trabalhadora precisa entrar em cena e exigir a revogação de todas as medidas adotadas contra os trabalhadores visando o fim do sistema privado de saúde e a universalização da saúde pública mediante a liberação dos recursos destinados ao pagamento da dívida pública.
Entendemos que a crise sanitária agravada com o coronavírus é expressão da crise do sistema do capital e da decadência da sociedade burguesa. O governo Bolsonaro está somente preocupado em salvar o sistema financeiro da crise e assegurar o lucro dos capitalistas. No entanto, seus dias estão contados porque a crise econômica tende a agravar-se com a quebradeira de bancos, de companhias aéreas, de empresas do agronegócio, de empresas do turismo, de aglomerados comerciais, de indústrias automobilísticas etc. Essas empresas não serão as mesmas depois de quatro ou cinco meses paradas ou com suas atividades reduzidas. E quando essas empresas resolverem fechar os trabalhadores devem assumir o controle e comando de cada uma delas. O combate ao coronavírus deve estar articulado ao combate ao vírus destrutivo do capitalismo e do sistema do capital que transforma a saúde em mercadoria e o ser humano em mercadoria. Nessa perspectiva conclamamos a classe trabalhadora através de seus distintos mecanismos de organização a construir uma tática de luta que esmague completamente os capitalistas e destrua o sistema centrado na exploração dos trabalhadores.
A luta pela constituição de um sistema de saúde melhor somente pode ser bem sucedida no horizonte numa forma de sociabilidade que valorize os seres humanos e a classe trabalhadora. Por isso conclamamos a classe trabalhadora para lutar pela efetivação de uma pauta classista e combativa que não aceite nenhuma forma de conciliação com o capital. Essa pauta deve se expressar nas seguintes lutas imediatas:
1) Suspensão das atividades produtivas para mostrar aos capitalistas quem manda na produção e constitui-se como o fundamento da riqueza de toda sociedade burguesa, ou seja, uma greve intensa da produção para derrubar os capitalistas;
2) Suspensão do pagamento imediato da dívida pública e utilização desse recurso para combater à pandemia do coronavírus através da ampliação do número UTIs, equipamentos, leitos, medicamentos e unidades móveis;
3) Transformação de toda a rede privada de saúde em rede pública sob o controle dos trabalhadores;
4) Utilização de todos os recursos da previdência privada e dos fundos públicos para financiar a construção de novas unidades hospitalares;
5) Fim da atual lógica do sistema prisional centrada na defesa da propriedade privada e na desvalorização dos seres humanos;
6) Contratação de novos profissionais da área de saúde dentro de uma nova política de cargos e carreiras com valorização desses profissionais;
7) Atendimento prioritário aos pacientes mais vulneráveis independente da condição econômica e social;
8) Elevação do salário mínimo para o valor de 4.347,61 reais, conforme aponta o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) estendendo o seguro-desemprego para todos os desempregados e desempregadas etc.;
9) Cancelamento de todas as propostas neoliberais e que visam atender aos interesses dos capitalistas;
10) Suspensão de todas as leis que estabelecem teto para os gastos públicos na área de saúde, educação e serviço público;
11) Cancelamento de todo o processo de privatização das empresas estatais e entrega dessas empresas ao controle dos trabalhadores mediante a formação de conselhos operários e comitê de fábricas;
12) Demarcação imediata das terras indígenas e quilombolas;
13) Entrega das terras públicas e devolutas para os trabalhadores sem-terra e os camponeses;
14) Elevação dos salários dos profissionais da área de saúde e educação;
15) Fim da especulação com a saúde pública, com a educação pública e com as terras públicas e devolutas;
16) Fim do Estado enquanto representante dos interesses do agronegócio, dos banqueiros, empresários e das grandes empresas transnacionais brasileiras e estrangeiras;
17) Expropriação de todos os expropriadores das riquezas naturais e dos bens produzidos pelos trabalhadores.
A crise sanitária revelada com o coronavírus no interior da economia tende a operar uma reviravolta nas receitas apresentadas pelo governo Bolsonaro, enquanto apóstolo da integração vertical da economia brasileira aos imperativos do capital transnacional norte-americano. A crise sanitária do coronavírus serve para revelar que o sistema do capital é um sistema assentado na transformação de tudo em mercadoria.
Essa crise sanitária permite afirmar categoricamente que o rei está nu e que os trabalhadores devem assumir o controle direto da produção assumindo o controle e a direção das fábricas. Que os trabalhadores podem andar gratuitamente no transporte coletivo porque ele foi pago pelos trabalhadores, que a saúde e a educação é direito inequívoco de todos que precisam. Que o desemprego é um absurdo e que somente pode existir numa sociedade centrada na exploração dos trabalhadores ativos e no abandono dos trabalhadores desempregados. A crise sanitária promovida pelo coronavírus permite dizer em alto e bom tom que o sistema do capital precisa ser superado e o Estado da burguesia não tem mais como preservar esse estado de coisas fundado na destruição da saúde pública, educação pública, transporte público, habitação pública. É preciso socializar todos os serviços para o bem da classe trabalhadora. É preciso construir uma nova sociedade fundada no trabalho para todas e todos. Aqueles que produzem a riqueza devem ter acesso à riqueza produzida.
A cada um segundo as suas necessidades. Todo poder aos trabalhadores e trabalhadoras unidas contra o capital e o coronavírus!
Por Artur Bispo
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