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PARA ALÉM DO PETRODÓLARES E DO CAPITAL

Professor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL)

PARA ALÉM DO PETRODÓLARES E DO CAPITAL

A ascendência do petrodólares aconteceu na década de 1970, em que os capitais acumulados com a elevação do valor do barril do petróleo acabaram nas mãos dos grandes bancos de Wall Street. Os acordos estabelecidos pelo governo norte-americano com os países produtores de petróleo do Oriente Médio (OPEP), como a Arábia Saudita, culminou numa relação compulsória entre a moeda norte-americana e o comércio do petróleo. A proteção militar para os campos de petróleo da Arábia Saudita e a troca de armas por petróleo serviram ainda para transformar o Oriente Médio numa espécie de barril de pólvora e alimentou o complexo industrial-militar norte-americano.

A relação comercial assentada na troca de petróleo por dólares gerou uma grande demanda artificial por dólares em todo o mundo. Isso permitiu que os bancos norte-americanos pudessem apropriar-se da riqueza oriunda do petróleo e estabelecessem uma política de empréstimos para os países do terceiro mundo que culminou na década de 1980 no completo endividamento das denominadas economias em desenvolvimento ou subdesenvolvidas como o Brasil e a Argentina.

O petrodólares fundamentou o atrofiamento das economias dependentes e para o processo de intensificação da hipertrofia do capital financeiro, levando à completa estagnação econômica do parque industrial constituído no contexto mundial promovido pela grande crise econômica de 1929. O petrodólares serviu para estabelecer a hegemonia do dólar norte-americana e para subordinar completamente a economia mundial aos imperativos do capital financeiro situado em Wall Street, em que o processo de industrialização das economias dependentes da América Latina foi completamente interceptada. A riqueza dos países produtores de petróleo multiplicou a riqueza dos magnatas de Wall Street e aprofundou a miséria no terceiro mundo – contando com apoio do FMI, Banco Mundial e das políticas neoliberais com R. Reagan e M. Thatcher.

A hegemonia norte-americana galvanizou-se com o dólar e o petrodólares, mas o poderio do capital não se restringe a hegemonia econômica do dólar. O seu poderio não poderia descartar o papel de primazia do complexo industrial-militar, em que a política imperialista estabelecida no Oriente Médio delineia claramente a formatação da Pax Americana. No entanto, é preciso destacar que o capital financeiro encontrou no dólar uma forma particular de manifestação que de maneira alguma esgota sua forma medular de ser. É preciso salientar que o capital pode configurar-se de diferentes maneiras, ou seja, ele pode superar a faceta expressa no dólar e no petrodólares. O capital pode deixar de ser como dólar e não deixar de ser capital. O capital pode deixar de existir como petrodólares e não deixar de ser capital. O capital pode continuar dominando a humanidade como euro, como yen, como libra etc. Por isso que é preciso superar o capital e não somente a forma particular de ser do capital como dólar ou como petrodólares.

É fundamental destacar que a crise econômica dos EUA não representa apenas uma crise do dólar e do petrodólares patenteada nas distintas intervenções bélicas realizadas no Oriente Médio com seus satélites Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes. A crise do dólar e do petrodólares não expressa somente o esgotamento da hegemonia da moeda norte-americana, mas representa uma crise muito mais profunda que abala o sistema do capital como um todo. Por isso que não se deve desconsiderar a profundidade da crise que acomete o capital nos tempos hodiernos. Não se trata de um crise meramente monetária, nem da crise de um tipo de hegemonia capitalista do mundo. Trata-se da crise do sistema do capital em sua totalidade. Por isso, é preciso superar as ilusões que buscam uma saída dentro do sistema do capital mediante as alternativas ao petrodólares estabelecidas pelos representantes (estatais ou privados) do capital na China, na Rússia, na Venezuela, no Irã etc.

Evidente que a política belicista dos EUA contra o Irã no começo de 2020 configura-se como uma maneira de assegurar os interesses das corporações financeiras de Wall Street e das empresas gigantescas do setor energético como Halliburton, da Exxon Mobil, da Chevron Texaco, dos interesses da indústria bélica como Boeing, Lockheed-Martin, da Raytheon, Northrup-Grumman etc. Não se pode desconsiderar que Donald Trump age no sentido de assegurar a continuidade do complexo industrial-militar americano nas próximas décadas perante a ameaça chinesa, russa etc.

O elemento decisivo que está por trás da ação belicista que culminou na morte do general iraniano Quassem Soleimani é econômica. O valor do ouro negro pode novamente elevar-se e os banqueiros de Wall Street continuarem assegurando seus interesses tanto no controle do petróleo quanto na intensificação do comércio de armas. A decisão implica numa nova corrida armamentista na região que serve para mostrar o caráter perdulário do sistema capitalista.

O capital agonizante procura sobreviver de todas as formas e a política destrutiva expressa no complexo industrial-militar tem os EUA como sua expressão máxima, mas ela não deixa de manifestar-se nas políticas imperialistas das distintas corporações financeiras e empresariais de outras nacionalidades. A natureza destrutiva do capital revela-se em todos os espaços e mostra que o capital não pode se autorreproduzir sem ameaçar o destino da humanidade. Não se trata de uma particularidade do imperialismo norte-americano, do dólar, do petrodólares e do narcodólares, essa política se revela também no eurodólares ou no euro, no marco, no yuan, no yen, na libra esterlina etc. Isso implica em reconhecer que a decisão da Venezuela de afastar o preço do barril de seu petróleo do dólar não representa nenhum abalo sísmico na estrutura do capital. A economia norte-americana possui inúmeras válvulas de escape para conter a medida adotada pela pequena economia venezuelana e aprofundar as medidas de embargo comercial adotada.

A posição adotada pela Venezuela não representa nenhuma emancipação do capital, pois procura se afastar do imperialismo norte-americano se aproximando da política também imperialista da China e da Rússia. A tentativa de quebrar com o monopólio de Wall Street não representa uma ruptura com o mercado mundial e com o sistema do capital. A desdolarização econômica projetada pela Rússia, China (que ainda possui trilhões de dólares de reserva), Irã, na comercialização do gás natural e do petróleo não implica na constituição de uma ruptura com o capital. O mesmo segue intocável e assentado na exploração do trabalho na China, no Irã e na Rússia. O controle do petróleo russo continua nas mãos dos banqueiros de Wall Street (JP Morgan Chase, Citgroup, Morgan Stanley etc.). E mesmo o seu definhamento não representa o colapso do sistema financeiro, pois os produtos e os preços que não são controlados diretamente pelos bancos norte-americanos acabam sendo controlados pelos centros financeiros chineses, russos, indianos etc.

É preciso considerar a natureza destrutiva do capital em sua composição global e não somente na particularidade norte-americana. Isso não quer dizer que não se deva diminuir a luta contra o imperialismo norte-americano, mas que se deve ter cuidado para não substituir uma forma de dominação imperialista por outra. É preciso colocar na ordem do dia a necessidade da ofensiva de massa socialista e a prioridade estratégica de uma forma de sociabilidade assentada na emancipação de trabalhadoras e trabalhadores e na consolidação de uma organização econômica estruturada no trabalho associado, livre e universal. Isso implica na constituição de uma radical contraposição à dominação do capital sobre o trabalho em todas as partes do mundo. A classe trabalhadora mundial deve na luta contra o imperialismo norte-americano lutar contra a forma de dominação imperialista e contra toda a forma de dominação do capital sobre o trabalho.

Por Artur Bispo

Fonte: https://ofensivasocialista.wordpress.com/2020/04/02/para-alem-do-petrodolares-e-do-capital/

LANÇAMENTO EM BREVE!!!

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