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O SOCIALISMO É O CAMINHO PARA A LIBERTAÇÃO DA HUMANIDADE

Professor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL)

O SOCIALISMO É O CAMINHO PARA A LIBERTAÇÃO DA HUMANIDADE

A crítica marxiana à economia política burguesa tem como fundamento a necessidade de transcender o mercado e sua lógica reificante de controle do trabalho. Nesse processo, é fundamental a superação da comunidade abstrata/alienada subordinada aos imperativos do capital pela constituição de uma comunidade humana universal para além da forma-mercadoria e do processo de organização do trabalho abstrato.

O mercado mundial tem como fundamento as relações alienadas que perpassam o trabalho abstrato e o universo da produção de mercadorias. No entanto, ao conectar distintos povos entre e si e superar as fronteiras geográficas, ele estabelece a possibilidade de pensar o homem como partícipe do gênero humano. A produção capitalista cria condições que podem unir os trabalhadores explorados em diversas partes do mundo e que podem constituir uma alternativa ao sistema do capital após inúmeras lutas e batalhas.

É preciso entender que os indivíduos não subsistem em si mesmos, não são entidades abstratas e destituídas de vínculos. Os indivíduos emergem como integrantes duma dada sociedade e de condições determinadas historicamente. Não existe desenvolvimento do indivíduo sem o desenvolvimento das condições materiais, sem os elementos primordiais de preservação da reprodução de sua subsistência concreta. É no reino das necessidades e carências imediatas que encontramos os indivíduos; essa é a condição primeira para se fazer história e para se produzir qualquer coisa (MARX-ENGELS, 1987).

A forma como os homens satisfazem suas necessidades muda no decorrer dos séculos. Mediante a relação metabólica estabelecida com a natureza, os indivíduos se desenvolvem coletivamente e transformam suas relações sociais. Quando conseguem produzir mais que o necessário para a reprodução de sua existência, estão dadas as condições objetivas para a acumulação e para o desenvolvimento da sociedade de classes.
É a propriedade dos meios de produção que determina o lugar dos indivíduos no interior da sociedade. Assim, as diferentes aspirações sociais e materiais nascem dos diferentes lugares que as classes ocupam no processo produtivo, bem como da distribuição e do consumo dos bens produzidos. Essa compreensão emerge da efetiva análise das condições de existência e não duma mera classificação formal produzida de maneira apriorística, como geralmente operam as concepções burguesas acerca desta problemática.

A perspectiva materialista entende que o fundamento da divisão da sociedade em classes sociais se apresenta na forma como se organiza a propriedade dos meios de produção e dos meios de troca. É dessa base que decorre o fato de certas classes serem dominantes e outras dominadas, umas exploradoras e outras exploradas. Todas as demais diferenças sociais se originam dessa diferenciação fundamental.

O Manifesto Comunista, enquanto tratado da mundialização ou da necessidade da organização internacional dos trabalhadores, é um opúsculo fundamental no processo de passagem da consciência de classe em-si à consciência de classe para-si, que supera as idiossincrasias do socialismo reacionário (socialismo feudal, pequeno-burguês de Sismondi, socialismo alemão de Karl Grün), do socialismo conservador ou burguês de Proudhon, do socialismo e do comunismo crítico-utópicos de Saint-Simon, Fourier e Owen. Todos padecem do problema de não considerarem o proletariado como sujeito do processo histórico e permanecerem prisioneiros das saídas individualizantes dos tempos heroicos da burguesia.

O Manifesto destaca que o proletariado não precisa do reconhecimento e da compaixão das classes dominantes, pelo contrário, ele é a força movente da sociedade capitalista e, por isso, capaz de subverter completamente sua lógica fundamentada na expropriação de seu tempo de trabalho. A obra supracitada implica a superação da noção do operariado como uma excrescência, para ser considerado como substrato primordial da sociedade burguesa. O proletariado é a única classe efetivamente produtiva e capaz de libertar toda a humanidade do jugo do capital.

Através do Manifesto, o proletariado supera sua condição de subordinação à ideologia burguesa e afirma sua concepção de mundo como essencialmente antípoda à concepção burguesa e como defensora da universalidade plenamente reconciliada com a particularidade, mediante a superação de toda dominação e toda desigualdade social.

Os indivíduos podem passar de uma classe à outra, mas as classes e seus antagonismos são a plataforma estrutural do modo de ser do capital (mercantil, industrial e financeiro), que apenas pode se reproduzir exercendo um controle absoluto sobre o trabalho. Assim, não é possível a conversão da classe proletária à condição de classe burguesa ou a superação da dominação do trabalho pelo capital nos limites desse sistema sociometabólico. Tal superação apenas pode ocorrer mediante um novo modo de produção, no qual o trabalho é o sujeito fundamental de todo o processo de produção e não se subordina a nenhuma forma de controle ou dominação.

Diferentemente da burguesia, que se move no interior de suas idiossincrasias, em que a universalidade apenas pode manifestar-se como parcial e abstrata – à proporção que não passa de expressão objetiva dos interesses declaradamente privados da classe dominante –, o proletariado é a única classe que pode posicionar-se como portadora duma universalidade concreta, porque guarda dentro de si a possibilidade não apenas da emancipação de si mesma em relação ao capital, mas de emancipar toda a humanidade.

O mercado mundial, que engendra interesses estranhos ao gênero humano, pode paradoxalmente servir de base para pensar a emancipação humana da esfera do capital. Ele possibilita pensar não somente a história universal, como fez Hegel, mas permite engendrar a verdadeira história da humanidade, superando assim a pré-história da humanidade, como afirmavam Marx e Engels (2007).

A superação do capital passa pela superação do mercado mundial e da mundialização do capital expressa no capital mercantil, industrial e financeiro (imperialismo clássico e novo imperialismo). A história humana forjada por indivíduos universais pressupõe o desenvolvimento das forças produtivas num contexto em que o excedente deve ser partilhado universalmente, pois nenhuma forma de imperialismo é possível sem relações de dependência.

As atuais condições históricas e ontológicas permitem projetar uma sociedade plenamente humanizada, fundada na conexão harmoniosa entre o reino da necessidade e o reino da liberdade. O sistema do capital baseia-se na alienação, pois o seu fundamento é o trabalho abstrato. A persistência da base fundante do sistema do capital aprofunda o caráter fantasmal do modo de vida burguesa, em que as relações humanas vão cada vez mais se deteriorando.

O desenvolvimento tecnológico, como mecanismo para deslocar as contradições do capital, amplia a desigualdade social e o pauperismo da classe trabalhadora. Pela mediação das novas tecnologias, torna-se possível aprofundar os mecanismos de controle e exploração do trabalho, bem como quebrar os velhos mecanismos de resistência. Nesse modo de produção, a tecnologia é capital porquanto visa tão somente economizar tempo de trabalho e assegurar o lucro dos capitalistas.

O expediente da absorção do excedente, mediante o desenvolvimento das redes sociais e dos meios de publicidade e propaganda, transforma a existência humana numa existência vazia e fundada no consumismo desenfreado, apenas exequível com a exploração da classe trabalhadora e a acumulação por espoliação.

A constelação de mercadorias na forma de produtos fictícios, informações, serviços e notícias possui uma capacidade de irradiação e amplitude incalculável e dilata ainda mais o poder das máquinas inteligentes sobre os seres humanos. A criatura ergue-se contra o criador com estratégias poderosas de cooptação da subjetividade humana. A capacidade das grandes corporações financeiras para controlar mentes e corações dos indivíduos dá-se pela mediação do conhecimento tecnológico na era da informática.

Os indivíduos procuram no mundo virtual tudo aquilo que não conseguem encontrar no mundo concreto. Um mundo pautado pelo reino da necessidade e da escassez busca no mundo virtual a promessa de realização de felicidade na banalização dos desejos, dos sonhos e de projetos inumanos e profundamente individualistas. Na internet, os indivíduos podem encontrar a promessa de interação, comunicação, inter-relação, reconhecimento, recompensa, elevação de sua autoestima e valorização corporal, reproduzindo a lógica do universo fantasmagórico do mundo das mercadorias.

O instrumental da tecnologia aplicado pela informática leva à exacerbação da felicidade narcísica, do prazer hedonista e da moral individualista burguesa centrada no consumismo. O capital financeiro passa a modelar o comportamento dos indivíduos pela mediação da internet, pelo controle acentuado de cada informação processada pelos próprios indivíduos. As contas do Google, Facebook e WhatsApp monitoram e controlam centenas de milhões de pessoas no mundo inteiro.

A nova mundialização, sob o primado do capital financeiro, universaliza e padroniza um modo de vida centrado no consumo e no fetichismo das coisas. A desvalorização da criatividade se aprofunda cada vez mais com as receitas prontas e os produtos embalados. A educação e a saúde deixam de constituir direitos e se configuram como mercadorias e produtos negociados pelas gigantescas corporações empresariais e financeiras.

A denominada “terceira revolução industrial” ou “era da informática” revela-se como uma poderosa contrarrevolução para economizar trabalho e desmontar as organizações dos trabalhadores. Os mecanismos de exploração e controle do capital se universalizam e se internacionalizam cada vez mais, enquanto os trabalhadores são fragmentados com a flexibilização, a terceirização e a precarização. Nesse contexto, a maquinaria estatal opera de maneira persuasiva e coercitiva no sentido de delimitar o espaço de atuação das organizações trabalhadoras, que na sua maioria capitularam e passaram a fazer parte do jogo da administração do capital.

É provável que a humanidade possa num futuro não muito distante reconhecer o tempo histórico hegemonizado pelo poder da informática e das máquinas inteligentes sobre os seres humanos como um tempo da barbárie e da mais profunda irracionalidade do modo de produção capitalista. A Revolução Industrial do século XVIII preparou o terreno para múltiplas formas de controle do capital sobre o trabalho; o modo orquestrado com a colaboração da informática revela a face mais perversa de todas, pois reduz significativamente as potencialidades dos seres humanos.

A crise estrutural do sistema do capital desvela os limites absolutos do sistema e coloca na ordem do dia a necessidade de uma ofensiva de massa socialista. Num contexto de aprofundamento da crise mundial do sistema do capital, é fundamental pensar mecanismos de organização e luta que coloquem a classe trabalhadora na posição de uma ofensiva. Uma ofensiva que passa pela constituição de uma nova forma de organização da produção mediante a superação definitiva do trabalho abstrato ou do trabalho assalariado, bem como pela destruição da maquinaria estatal como apêndice do controle da classe trabalhadora.

No plano histórico-mundial isso implica a superação do mercado mundial e das relações alienadas constituídas pelo trabalho abstrato. O novo indivíduo histórico-universal tem como fundamento o trabalho associado, livre e universal.

O proletariado só pode, portanto, existir histórico-mundialmente, assim como o comunismo; sua ação só pode se dar como existência ‘histórico-mundial’; existência histórico-mundial dos indivíduos, ou seja, existência dos indivíduos diretamente vinculada à história mundial (MARX-ENGELS, 2007, p. 39).

O comunismo se constitui como uma nova forma de manifestação da comunidade humana universal, do ser humano omnilateral, que supera sua dimensão individualizada e alienada para se plasmar como partícipe efetivo do gênero humano. Isso não significa suprimir suas potencialidades individuais e subjetivas, mas desenvolver as efetivas potencialidades humanas pela superação da divisão social do trabalho.

O capital enquanto entidade social universal deve ser superado pelo socialismo enquanto transição para o comunismo. Este transcende a dimensão limitada da comunidade nacional e a perspectiva forjada pelo reino das mercadorias.

A crise mundial do sistema do capital requer lançar abaixo o trabalho abstrato, fundamento do sistema do capital. O edifício do capital está abalado em todas as suas estruturas e elas não podem ser reparadas simplesmente consertando o seu reboco. A social-democracia não passou de um reboco que visava reformar o sistema do capital.

Os rebocos que foram colocados pela social-democracia, de um lado, e pelas experiências pós-capitalistas, do outro, caíram. Os rebocos foram abaixo e as rachaduras no edifício do capital são cada vez maiores. A mundialização, sob a égide do capital financeiro, chegou a um nível tão profundo de barbárie, que somente uma guerra em grande escala poderá salvar o sistema.

O apelo da burguesia à extrema direita para salvar o sistema consiste numa nova miríade, pois a maquinaria estatal (coercitiva) somente poderá deslocar a crise do sistema, como fez no decorrer da primeira metade do século XX, quando recorreu ao expediente de uma nova guerra mundial. No entanto, não existe como levar a humanidade ao desastre de outra grande guerra mundial sem destruir a humanidade completamente. A barbárie do capital somente pode ser interceptada destruindo o sistema.

Não há como negar que o edifício do capital apresenta problemas; as suas rachaduras profundas somente poderão ser sanadas pela ofensiva de massa socialista para uma nova forma de organizar o trabalho. A casa do capitalismo está desabando e não são os trabalhadores que devem salvá-la seguindo as ilusões reformistas da democracia burguesa e suas reformas de fachada. Milhões de trabalhadoras e trabalhadores são soterrados anualmente pelo desemprego, pelo pauperismo, pela miséria e pela violência social.

Ao invés de tentar salvar a casa da burguesia, é preciso construir uma verdadeira casa para os trabalhadores e para a humanidade. Essa é uma atividade muito difícil e complexa de realizar, pois muitos preferem entrar na casa pronta, mesmo que a desabar, dos capitalistas. É melhor pegar o bonde andando do que fazer o bonde, mas precisamos lembrar que quem faz as casas e os bondes é a classe trabalhadora.

Nesse cenário coloca-se a necessidade de pensar o ethos da verdadeira humanização, o ethos como casa da humanidade, ou seja, do indivíduo plenamente conectado à universalidade. A construção dessa casa representa o verdadeiro ethos da humanidade: o universal concreto realizado pelo trabalho livre, universal e associado.

Essa construção deve ser forjada na clara consciência de classe de que essa casa (ethos) se chama socialismo e representa uma nova organização do trabalho. Essa nova casa é muito diferente do capitalismo e do sistema do capital. Nessa casa não há lugar para a propriedade privada dos meios de produção nem para as classes parasitárias que vivem da apropriação do trabalho alheio. Uma casa (ethos) forjada na abundância e em que todos podem trabalhar, porque se todos trabalharem, trabalharão menos.

Nesse cenário, a resistência não é suficiente para derrotar o capital em escala mundial. É preciso passar imediatamente numa ofensiva de massa socialista. Não existe a menor possibilidade de derrotar o capital com uma política de resistência e de guerrilha. É preciso passar à política revolucionária e ao ataque direto às estruturas que reproduzem o sistema do capital, como o trabalho abstrato e o Estado. E constituir imediatamente uma sociedade (ethos) assentada no trabalho associado, livre e universal.

A ruptura com a ordem do capital não decorre das contradições manifestadas pelas disputas endógenas da burguesia, mas somente da classe trabalhadora enquanto classe (em-si e para-si) responsável pelo conteúdo material da riqueza da sociedade. A burguesia e os movimentos pequeno-burgueses não podem apresentar uma alternativa abrangente e universal ao sistema do capital, daí ser preciso ir além do capital.

As trabalhadoras e os trabalhadores devem aproveitar as disputas internas da burguesia em escala nacional e internacional para fortalecer sua estratégia de constituição de uma alternativa efetiva ao sistema do capital. Essa alternativa nunca foi estabelecida porque as experiências pós-capitalistas continuaram enredadas no controle do trabalho e na absorção do excedente contra as efetivas necessidades dos trabalhadores. Essa alternativa requer a superação de todas as formas de dominação do capital mercantil, industrial e financeiro.

A superação do trabalho abstrato pelo trabalho associado presume o protagonismo do proletariado e a destruição de todas as formas de expropriação e exploração do trabalho. O verdadeiro reino da liberdade começa pela necessidade de um mundo em que os trabalhadores sejam produtores efetivamente livres, habitando num mundo em que suas verdadeiras potencialidades sejam desenvolvidas. Isso implica a necessidade de subverter completamente a natureza da técnica e da ciência. A ciência e a técnica devem desenvolver as forças produtivas e as relações de produção universalmente, na perspectiva de superar o fardo do trabalho abstrato/alienado/assalariado.

Presente texto faz parte da conclusão do trabalho de pós-doutorado de Artur Bispo dos Santos Neto.

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