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NAZIFASCISMO VERSUS FORDISMO: A DITADURA DO CAPITAL SOBRE O TRABALHO

Professor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL)

NAZIFASCISMO VERSUS FORDISMO: A DITADURA DO CAPITAL SOBRE O TRABALHO

O nazifascismo emerge como alternativa ao sistema do capital, que precisou deslocar suas contradições num contexto de intensificação das lutas dos impérios pela partilha do mundo na primeira metade do século XX. É importante salientar que o fascismo acabou se configurando como experiência que reverbera num contexto histórico das economias que tiveram sua inserção tardia ao processo de desenvolvimento das relações genuinamente capitalistas. O desenvolvimento tardio do capitalismo italiano, alemão, japonês, português e espanhol lançou esses países numa disputa com os grandes impérios consolidados pela partilha do mundo, o que culminou na intensificação da luta de classes, bem como na necessidade de transcender a democracia burguesa, dada a sua ineficácia para assegurar os padrões fundamentais de expropriação do trabalho pelo capital.

Para irradiar seus tentáculos sobre a classe trabalhadora e capturar sua subjetividade, o nazifascismo recorre aos instrumentos de persuasão e coerção, em que a arte da manipulação e obliteração da essencialidade da realidade constitui sua quintessência. Num tempo histórico perpassado pelo aprofundamento da crise econômica e de ameaça de ascendência de uma alternativa de massa socialista, o capital estabelece uma configuração política mais coercitiva, em que a apologia da democracia formal e da igualdade formal deve ser substituída por um sistema político autoritário e um Estado forte o suficiente para enfrentar a crise econômica.

A contradição do capital encontra sua plena expressividade na forma do ser do nazifascismo, em que sua verdadeira essencialidade é obliterada mediante os ardis da retórica popular, da linearidade do movimento das coisas, do dualismo e do maniqueísmo. As respostas fáceis servem para submeter os trabalhadores e os setores intermediários da sociedade aos propósitos de expansão e acumulação do capital. O fascismo é a contradição em essência. Ele se apresenta como revolucionário e conservador, como ação e reação, como radical e reacionário, como dentro da ordem e como a encarnação da revolta. Para Guido Bortolotto (apud BERNARDO, 2015, p. 13), “o fascismo é uma revolução conservadora”; para Enrico Coradini (2015, p. 13), o fascismo é “uma revolução que se efetua no interior da ordem estabelecida” (BERNARDO, 2015, p. 13). No entendimento de Bernardo (2015, p. 13), “o fascismo foi uma revolta na ordem”. Para José Primo de Rivera, Hitler apresentou-se às massas como “o revolucionário mais conservador do mundo” (apud BERNARDO, 2015, p. 13).

O paradoxo constitui-se como a essência do fascismo, como assegura Eduard Limonov (apud BERNARDO, 2015, p. 15): “A nossa ideologia é paradoxal, combinando dentro de si o conservadorismo e a revolução”. Para combater o espectro da revolução socialista, o fascismo apresenta-se ao mesmo tempo como revolucionário e contrarrevolucionário. Ele é isso e aquilo ao mesmo tempo. Escreve Bernardo (2015, p. 23): “a revolta dentro da ordem foi a sombra da luta anticapitalista projetada no âmbito do capital, a nostalgia da auto-organização no interior dos limites da hetero-organização”. Para Georges Oltramare (apud BERNARDO, 2015, 23): “se pode ser rebelde desde que não se ponha em causa o patrimônio sagrado, as verdades fundamentais”. As verdades fundamentais da propriedade privada, da família monogâmica burguesa, do sistema do capital como eterno e imutável.

Clara Zetkin (1923) vaticinou que o fascismo é um fenômeno histórico que brota quando o proletariado se revela incapaz de completar o processo revolucionário aberto (BERNARDO, 2015). Essa incapacidade não emerge de sua falta de vontade de realizar o processo revolucionário, mas do fato de os valores da burguesia ainda se apresentarem sólidos e o imperialismo não se configurar, ainda, como a última etapa do capitalismo. A impossibilidade de o proletariado completar a realização de um processo revolucionário resulta do fato de que a burguesia se revela como uma classe social ainda poderosa e o sistema do capital consegue reprimir a ala mais radical dos trabalhadores, pois o conjunto da classe trabalhadora não se sente completamente realizado com as bandeiras do socialismo e com a causa internacional do operariado.

A impossibilidade de o proletariado completar o processo revolucionário devido à tenaz resistência imposta pelo capital, que ataca as organizações mais combativas do proletariado por dentro e por fora, abre um precedente para a alternativa fascista (BERNARDO, 2015). É a incapacidade de realização do socialismo pela vanguarda operária, devido à resistência erguida pelo capital através dos setores políticos reformistas como a social-democracia, que abre espaço ao fascismo como uma reação autoritária do capital à ameaça do trabalho.

A impossibilidade do horizonte socialista leva a burguesia a recorrer ao fascismo como intermédio fundamental para restaurar o controle absoluto do capital sobre o trabalho. Através da ideologia fascista o capital pode expropriar os trabalhadores da radicalidade ensejada pelo socialismo, para promulgar um conjunto de valores que tem como corolário fundamental substituir o sentimento de classe pela noção de participação das massas. Escreve Bernardo (2015, p. 26): “Uma massa agitada pelo descontentamento, mas sem nenhuma expectativa que não se cingisse à sociedade existente – eis a base popular da revolta dentro da ordem”.

Por meio da reação conservadora ou da revolução dentro da ordem, o fascismo instila a confusão no coração das massas, iludindo-as mediante um conjunto de preceitos que parecem similares aos postulados pelos revolucionários socialistas, mas que não passam de manipulação das massas na perspectiva de conduzi-las à acomodação e à defesa da ordem do capital contra o trabalho. Afirma Bernardo (2015, p. 14): “O fascismo mobilizou os trabalhadores para efetuar uma revolução capitalista contra a burguesia ou, talvez mais exatamente, apesar da burguesia”.

Os fascistas se vangloriavam de serem ao mesmo tempo progressistas e conservadores, revolucionários e reacionários. Mussolini proclamava em 1921: “Nós nos damos ao luxo de ser aristocratas e democratas, conservadores e progressistas, reacionários e revolucionários” (apud BERNARDO, 2015, p. 14). Em consonância com Mussolini, surgiram governantes como Antônio de Oliveira Salazar (1932-1968) e Vichy (1940-1945), que afirmavam a necessidade de fazer a revolução antes que o povo a fizesse. Os governos fascistas na Espanha e em Portugal deveriam se antecipar e impor sua revolução ao povo.

O fascismo se constitui, segundo Bernardo (2015), a partir de quatro eixos: partidos, milícias, sindicatos e igrejas. Os eixos dos partidos e dos sindicatos são exógenos; os eixos das igrejas e das milícias são endógenos. Os sindicatos e os partidos oferecem uma configuração de radicalidade ao fascismo, enquanto o eixo formado pelas milícias (exército) e pelas igrejas oferece um perfil conservador e reacionário ao movimento.

As igrejas e o exército configuram-se como instituições essenciais ao movimento fascista. Mussolini procurou aproximar-se da Igreja Católica mediante o uso indiscriminado dos símbolos religiosos, bem como mediante a institucionalização do ensino religioso nas escolas, na instituição da figura do capelão nas forças armadas, na liberação de recursos públicos para obras religiosas e na intensificação das penas judiciárias às ofensas proferidas aos símbolos do catolicismo. Tudo isso encontrou sua síntese nos acordos de Latrão, em que o Vaticano alcançou, em fevereiro de 1929, sua plena soberania política como cidade-Estado.

Escreve Bernardo (2015, p. 87): “Mussolini não pretendeu derrubar a estrutura estatal edificada pelos liberais. Pelo contrário, usou a violência das milícias e a ameaça de um golpe de força para assumir o poder dentro do quadro da Constituição e foram os liberais quem colocou ao seu dispor os meios constitucionais de que necessitava para agir”. Para o filósofo liberal Benedito Croce, era preciso dar tempo para que o fascismo apresentasse as suas virtudes positivas; o Estado forte era a mediação necessária para um modelo liberal mais severo (BERNARDO, 2015).

É preciso entender que inexiste oposição entre fascismo e liberalismo, pois ambos estão profundamente articulados. O fascismo emerge como alternativa política ao sistema do capital num tempo histórico em que a democracia burguesa não consegue submeter a totalidade da classe trabalhadora aos seus propósitos. A ausência de consenso indica a necessidade da força. Os liberais apoiavam as medidas de exceção do fascismo como um mal necessário para assegurar a legalidade burguesa. A ilegalidade das ações das milícias fascistas se fazia necessária para assegurar a legalidade.

O fascismo italiano se constitui como a unidade das represálias legais com as represálias ilegais, mantendo-se como uma legitimidade ilegítima. Assim, o fascismo “empregou sempre as armas da desordem para defender e sustentar a ordem” (BERNARDO, 2015, p. 90). A recorrência ao fascismo inscreve-se num contexto político mais amplo de gravidade, em que o controle do capital pelo trabalho carece do expediente da violência aberta e não mais velada.

Um dos princípios constitutivos do fascismo é a possibilidade de universalizar a insegurança e a radicalização do sentimento de temor no coração das massas e das classes intermediárias. Esse temor faz com que frações expressivas da classe trabalhadora e das classes intermediárias prefiram recorrer ao passado a retirar sua poesia do futuro.

O refluxo do movimento operário mais combativo permite que os fascistas entrem em cena e assegurem a vitória definitiva do capital sobre o trabalho, da burguesia sobre o proletariado. Para Palme Dutt (apud BERNARDO, 2015, p. 27): “O fascismo não foi a arma defensiva da burguesia contra o proletariado em marcha, mas, pelo contrário, o meio usado pela burguesia para se vingar do proletariado que batia em retirada”.

O fracasso do movimento revolucionário operário será seguido pela ação bélica do fascismo. Os squadristi (camisas negras), por exemplo, conseguiram, no primeiro semestre de 1921, empreender uma ação bélica contra o movimento operário combativo italiano e as organizações socialistas, em que foram destruídas “119 Câmaras do Trabalho, 107 cooperativas, 83 sedes de sindicatos camponeses, 59 centros culturais socialistas, além de tipografias socialistas, bibliotecas, associações mutualistas” (BERNARDO, 2015, p. 34). Os squadristi constituíam verdadeiros partidos-milícias; somente nessa fase dissolveram 726 bases de esquerda.

Nesse contexto, as principais lideranças políticas e sindicais da esquerda italiana preferiam apelar para a intervenção do governo a fim de interceptar as ações violentas dos squadristi, quando as autoridades políticas instituídas estavam plenamente de acordo com as práticas repressivas dos fascistas. A tentativa de estabelecer uma política conciliatória com Mussolini, para impedir o crescimento da onda repressiva, de nada serviu. Após a eliminação dos principais dirigentes camponeses e operários, os fascistas abriram caminho para o controle completo das organizações sindicais e dos movimentos sociais dos trabalhadores.

Deve-se considerar que o fascismo denunciava a burocracia sindical não para restaurar o poder dos comitês e conselhos de fábricas na Alemanha e na Itália, senão para extinguir os sindicatos e as organizações operárias em seus diferentes níveis. O Estado deveria controlar o processo de organização da classe trabalhadora e eximi-la dos elementos corruptos e nocivos que corroíam o movimento dos trabalhadores. Sob a insígnia da necessidade de moralização da organização dos trabalhadores e da libertação de seus elementos mafiosos e corruptos, o Estado interferia na luta sindical na perspectiva de submetê-la completamente aos interesses do capital.

Além de recorrer ao expediente da depuração do movimento sindical de seus elementos imorais e corruptos, o fascismo penetra no interior da classe trabalhadora mediante a maximização da noção de ascendência social e de obliteração da consciência de classe. O ideário liberal inscreve em cada trabalhador o preceito da valorização da individualidade, do empreendedorismo e do espírito de abnegação, pelo enriquecimento e pela acumulação mediante o esforço pessoal. O trabalhador que adere à ideologia fascista é contrário ao burguês e ao capitalista, mas não à estrutura social que gesta o capitalista e as relações capitalistas. O trabalhador fascista queria simplesmente ser o novo patrão, não entendendo que seria expropriado num nível ainda mais elevado.

Quando os métodos clássicos de controle da classe trabalhadora da política burguesa fracassam é preciso colocar em cena os métodos fascistas, em que se orquestra um conjunto de elementos na perspectiva de dissolução dos processos de auto-organização da classe trabalhadora. A destruição das hierarquias e da burocracia não passava de encenação estética e política do fascismo, pois este realmente deveria ser livre de todos os entraves. Os patrões deveriam exercer seu poder de forma absoluta no interior da fábrica e em toda a sociedade. O fascismo proferiu o golpe mortal no sistema de conselhos; para isso ludibriou as massas operárias com suas críticas à burocracia sindical e a afirmação da necessidade de os trabalhadores participarem da gestão da empresa.

Alavancar o lucro dos patrões era a palavra de ordem do fascismo. O poder dos conselhos e comitês de fábricas foi quebrado pelo fascismo na Itália e na Espanha; estes foram transformados em apêndices do processo de gestão das fábricas segundo os interesses dos capitalistas. A Frente do Trabalho instituída pelos fascistas na Alemanha tinha como propósito a unidade de interesses entre patrões e empregados (BERNARDO, 2015).

 O propósito central do fascismo é controlar com mão de ferro o processo de expropriação da classe trabalhadora pelos capitalistas. A subordinação dos trabalhadores ao regime fascista foi alcançada mediante a recorrência aos mecanismos coercitivos das milícias, em que toda a oposição foi visceralmente dizimada.

O desfecho fatídico do fascismo se dá quando a classe trabalhadora novamente volta à cena política, a partir de novembro de 1943. Quando os exércitos aliados chegaram à Itália os trabalhadores já haviam derrotado as milícias e os exércitos fascistas no âmbito interno pela mediação da resistência armada dos partisans, formada pelo Partido Comunista Italiano, Partido de Ação, Partido Socialista Italiano e outras agremiações.

A Segunda Grande Guerra Mundial salvou a economia norte-americana da grande depressão econômica. A grande guerra foi a alavanca fundamental necessária para retirar a economia do contexto de retração, em que o complexo industrial-militar exercerá papel fundamental. Nesse contexto, o nazifascismo serviu como mecanismo fundamental para deslocar as contradições do capital e superar o universo das disputas imperialistas. Não é à toa que depois da grande guerra o imperialismo norte-americano vai se impor sobre toda a economia mundial.

O mito da supremacia branca perpassou tanto o imperialismo alemão quanto o imperialismo norte-americano. Nesse contexto, a Revolução de Outubro constituía-se como uma ameaça a esses preceitos, pois impulsionava a revolta entre os povos colonizados e não civilizados. Era preciso defender a civilização germânica contra os bárbaros. O Terceiro Reich era uma forma de impedir, através da declaração de guerra total, “o suposto fim da civilização, o suicídio do Ocidente e da raça superior, criando um regime de supremacia branca à escala mundial e sob a hegemonia alemã” (LOSURDO, 2005, p. 3).

A violência dirigida aos afrodescendentes nos EUA caminha articulada ao genocídio praticado contra os indígenas. A violência dos esquadrões de terror contra os negros pela Ku Klux Klan, a expulsão dos índios de seus territórios e a política ensejada de aculturação mediante a constituição de campos de aldeamentos e reservas tinham profunda similitude com os campos de concentração construídos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Na década de 1930 eram mais de duzentas agências norte-americanas especializadas em espionagem do movimento operário que colaboravam na formação de sindicatos plenamente subservientes aos patrões. Segundo Bernardo (2015, p. 58), “nos meados da década de 1930 as empresas industriais norte-americanas gastavam mais de 80 milhões de dólares por ano para espiar os seus operários”. Em 1937, as 2.500 empresas mais importantes do país haviam contratado 3.871 espiões para penetrar nos sindicatos (BERNARDO, 2015); um terço dos espiões oferecidos pela Pinkerton exercia postos de comando nos sindicatos. Isso revela como funciona a democracia burguesa, em que a liberdade de organização e manifestação dos trabalhadores não passa de uma abstração e uma letra morta no papel que serve tão somente para atenuar a luta de classes.

De fato, livre para se organizar e expandir seus tentáculos sobre o mundo é o capital; enquanto isso, os trabalhadores são condenados a vender a força de trabalho para reproduzir sua existência nas condições impostas pelo capital, que controla de maneira absoluta o trabalho. Quando os trabalhadores se organizam e passam a exigir melhores condições de trabalho, o capital mobiliza e recruta capatazes, empresas de detetives e vigilância, além do aparato coercitivo do Estado, para delimitar a linha que os trabalhadores devem trilhar. Aqueles que ultrapassarem a linha demarcada são demitidos, presos ou assassinados.

As inovações do fordismo e do taylorismo no cenário produtivo não seriam bem-sucedidas se estes não estivessem articulados ao aparato repressivo. Ford, por exemplo, “organizou um policiamento privado com uma dimensão sem precedentes, recorrendo a alguns elementos oriundos dos serviços secretos do seu país e alistando também russos emigrados, ex-oficiais ou antigos membros da política do czarismo, que durante a guerra civil haviam combatido os bolcheviques” (BERNARDO, 2015, p. 59).

Henry Ford revelou-se um obcecado anticomunista com reconhecida colaboração na tentativa de esmagamento da revolução de 1917, e ainda como um antissemita, pois manteve contatos estreitos com Hitler antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial. Através de seu jornal, Ford desenvolvia uma campanha contra os “comunistas” (o perigo vermelho) e a ameaça judaica.

O livro de Henry Ford, O judeu Internacional (1920), faz dele uma figura pública reconhecida tanto pela Ku Klux Klan quanto pelos fascistas. Escreve Losurdo (2005, p. 4): “Nazis destacados, como Von Schirach e mesmo Himmler vieram mais tarde a reconhecer terem sido inspirados ou motivados por Ford. Segundo Himmler, o livro de Ford desempenhou um papel ‘decisivo’ (ausschlaggebend) não só na sua formação pessoal, como também na do Führer”. Hitler declarou, em 1931, ao Detroit News: “Considero Henry Ford como minha inspiração” (apud MIKHAH, 2003, p. 1).

Para o Terceiro Reich havia uma linha de continuidade entre Henry Ford e Adolf Hitler. Essa aproximação é fartamente documentada e comprovada pelos fatos históricos. Numa entrevista concedida em 1923, Hitler afirma: “Consideramos Heinrich Ford um líder do crescente movimento fascista nos Estados Unidos” (ROTH, 2004, p. 255). No momento da condecoração de Henry Ford com a medalha da Cruz de Serviço da Águia Alemã, oferecida pelo governo nazista de Adolf Hitler, o representante da Sociedade Sionista de Cleveland, Ickes, afirma: “Henry Ford e Charles A. Lindbergh são os dois únicos cidadãos livres de num país livre que, com subserviência, aceitaram essas homenagens desprezíveis numa época em que aquele que as concedeu considera perdido o dia em que não cometeu nenhum crime contra a humanidade” (ROTH, 2004, p. 255).

O estreito vínculo entre Henry Ford e os nazistas não se limitou somente ao âmbito ideológico e político, mas se revelou plenamente no contexto da Segunda Guerra Mundial, em que os exércitos nazistas foram alimentados com caminhões produzidos por Ford e por aviões construídos pela Opel, subsidiária da General Motors. As duas grandes produtoras de automóveis dos Estados Unidos acumulavam cerca de 70% do mercado de automóveis na Alemanha. Estas empresas mantiveram suas plantas tanto na Alemanha quanto na França e na Polônia ocupada pelos nazistas em pleno período da grande guerra, servindo ao aparato militar alemão.

O itinerário que a economia norte-americana adotou para sair da crise não se revelou claramente em consonância com o modelo nazifascista, mas isso não implica desconsiderar que os métodos adotados por Henry Ford e Irenee du Pont aproximavam-se das medidas persuasivas e coercitivas estabelecidas contra os trabalhadores no ultramar. As grandes corporações norte-americanas, representadas em Henry Ford e Irenee du Pont, colheram todos os louros da política belicista nazifascista. A guerra em grande escala defendida pelos nazifascistas serviu para elevar os EUA a condição de maior potência mundial.

Os métodos nada idílicos do capital também sobejaram no território estadunidense. Os trabalhadores tiveram de percorrer um caminho muito bem delimitado, em que a liberdade de organização somente foi admitida ao movimento sindical que assumiu a tarefa de ser correia de transmissão do capital. Uma bela demonstração da unidade de propósitos existentes entre o fascismo e o liberalismo, entre o nazismo e a democracia, revela-se no macarthismo, o que denota que em plena etapa dos denominados “anos dourados”, de ascendência do capitalismo norte-americano, a classe trabalhadora deveria ser plenamente domesticada e reprimida pelo capital.

Para concluir, nota-se no decorrer deste texto que o fascismo se constitui como uma “revolução” conservadora cujo propósito essencial é assegurar a ordem do capital contra o trabalho e, ainda, que o fascismo consistiu numa forma de controle da classe trabalhadora num momento em que a democracia burguesa se revelou incapaz de frear a intensificação da luta de classes. Em outras palavras, o fascismo constituiu uma alternativa ao capital num momento histórico em que o liberalismo revelou-se insuficiente para debelar a ameaça socialista manifesta na intensificação dos conselhos operários e dos comitês de fábricas. Por isso o fascismo italiano reprimiu o movimento sindical com suas milícias paramilitares como os squadristi e as “Milícias Voluntárias da Segurança Nacional” (MVSN).

Desse modo, pode-se afirmar que os métodos adotados pelo fordismo somente foram bem-sucedidos no contexto do esforço concentrado de guerra, em que os trabalhadores eram rigorosamente controlados nas linhas de montagem. Sem a recorrência ao controle desmedido do processo de produção e a padronização do comportamento operário, o fordismo jamais teria se configurado como uma referência basilar para o ciclo econômico que marca a história de ascendência do império norte-americano. Embora distintos, é possível observar inúmeros pontos de conexão e interseção do fordismo com o nazifascismo no controle da classe operária nos EUA.

Apesar de o percurso trilhado pela economia norte-americana ser distinto do percorrido pelas economias que tiveram seu desenvolvimento capitalista retardado, como Itália e Alemanha, não se pode negar que subsistem inúmeros germes do fascismo na economia e na cultura estadunidense. Explorar esses aspectos é imprescindível para entender a hegemonia da direita nos EUA, porque seu espaço parlamentar é uma arena do qual somente podem participar dois partidos no processo eleitoral, que é um jogo de cartas marcadas; e também por que os trabalhadores continuam tendo suas organizações plenamente controladas pelo Estado (FBI, CIA etc.), pela ação dos gângsteres, pelo narcotráfico e pelo capital financeiro. Por fim, é preciso entender como a política nazifascista da guerra total serviu para salvar a economia norte-americana da depressão e elevá-la a irrestrita supremacia do mercado internacional.

Por Artur Bispo

Referências bibliográficas

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HAMMETT, Dashiell. Safra Vermelha. Trad. Marcos Ribeiro. São Paulo: Circulo do Livro, 1987.

LOSURDO, Domenico. As raízes norte-americanas do nazismo. Endereço: http://resistir.info/eua/raizes_nazismo_eua.html. Acesso em 9 de dezembro 2015.

MIKHAH, Yosef. Socios en el crimen: el gran capital de EE.UU. y los nazis. Julio de 2003. Endereço eletrônico: http://www.rebelion.org/hemeroteca/imperio/030708mikhah.htm. Acesso em 9 de dezembro de 2015.

PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA. As raízes do fascismo nos EUA. Endereço eletrônico: http://www.pco.org.br/historia/ha-80-anos-estava-em-marcha-uma-conspiracao-para-derrubar-roosevelt/ezoy,b.html. Acesso em 9 de dezembro de 2015.

ROTH, Philip. Complô contra a América. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

WIKIPEDIA. Agência Nacional de Detetives Pinkerton. Endereço eletrônico: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ag%C3%AAncia_Nacional_de_Detetives_Pinkerton. Acesso em 29 de junho de 2016.

Fonte: https://ofensivasocialista.wordpress.com/2020/06/09/nazifascismo-versus-fordismo-a-ditadura-do-capital-sobre-o-trabalho/

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